Guilherme Boulos

Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo.

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Guilherme Boulos

Periferias despertam um misto de revolta e esperança

Elas não são só abandono. São também resistência

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O esgoto desce sobre o barraco da dona Sonia como uma cachoeira. Quando chove, a água toma os dois pequenos cômodos, junto com fezes e dejetos, mas mesmo em dias normais penetra em brechas do solo e das paredes. Apesar do esforço da atuante Andressa, liderança da Vila Dalva, o poder público nunca olhou para dona Sonia.

No morro do Pulman, o Estado apareceu, mas para fazer presepada. A Sabesp fez uma obra, como parte do projeto de despoluição dos afluentes do Pinheiros, e desde então o esgoto e os ratos passaram a disputar as vielas com crianças. Obra malfeita, com descaso. A comunidade fica a poucas quadras do luxuoso Morumbi: uma cidade, dois mundos.

Essa contradição está estampada no Jardim Peri Alto, ao lado das obras do Rodoanel Norte. Quando chove, a rua de acesso enche e os ônibus não passam. Os moradores têm que colocar saco plástico nos pés para não chegarem sujos ao trabalho. A pista inacabada do Rodoanel --que já consumiu R$6,3 bilhões e está parada desde 2019-- virou espaço de lazer para as crianças. Aos domingos atrai até camelôs, tamanho é o movimento.

Do extremo norte ao extremo sul, chegamos ao bairro Vargem Grande. Sessenta mil paulistanos vivem ali sem sinal de internet e com escolas de lata. Aliás, uma das escolas da região pegou fogo há dois anos e o edifício permanece do mesmo jeito, queimado.

Passei a última semana andando pelos rincões da periferia de São Paulo, conversando com as pessoas e vendo essas e outras cenas. É devastador. Não porque não conhecesse a realidade de carências, mas cada lugar tem sua própria dor, daquelas que não saem no jornal. Como diz sabiamente Frei Betto, a nossa cabeça pensa onde nossos pés pisam. Seria uma bela aula para os farialimers conhecerem a dona Sonia ou andar no meio da merda no Pulman.

Mas as periferias não são só abandono. São também resistência. Deu um ânimo danado conversar com quem produz cultura na quebrada, o Bloco do Beco, a Agência Solano Trindade, o Pagode da 27, os coletivos de Guaianazes. Ver a dona Marlene lutando sem parar por um espaço de lazer para os jovens do morro da Macumba. Conhecer o projeto Mãos na Massa, da tia Inês, que ensina culinária para adolescentes no Jardim Primavera, mesmo sem nenhum apoio do governo. Ver o pessoal da pastoral do Jaraguá cozinhando num quartinho de fundo marmitas para a população de rua, as Cozinhas Solidárias do MTST, as ocupações por moradia, o conjunto Dandara em São Mateus.

É duro ver tanta miséria na cidade mais rica do Brasil. E é bonito ver tanta garra de um povo sofrido, que nunca teve uma porta aberta. As periferias de São Paulo despertam um misto de revolta e esperança.

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