Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Associar Bolsonaro à música sertaneja revela preconceito

Em aniversário de Mario Frias, destacou-se a preferência da primeira-dama Michelle pelo gênero musical

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Neste último sábado (9), a primeira-dama Michelle Bolsonaro compareceu à festa de aniversário de 50 anos do secretário de Cultura, Mario Frias. Em determinado momento da festa, Michelle resolveu soltar a voz em um karaokê e a música escolhida foi “Idas e Voltas”, da dupla Matogrosso & Mathias.

Michelle estava desacompanhada do marido, que preferiu passar o feriado no Guarujá. Realmente só faltou o Bolsonaro.

Na festa, em um restaurante do Lago Sul, em Brasília, Mario Frias reuniu autoridades do alto escalão do governo. Estiveram presentes o filho do presidente e senador Flávio Bolsonaro, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), os ministros Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública), Bruno Bianco (Advocacia-Geral da União), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), Jorge Seif (o secretário da Pesca), além de Alexandre Ramagem (diretor-geral da Abin) e Diogo Mac Cord (secretário de Desestatização do Ministério da Economia). Todos acompanharam sorridentes a primeira-dama na cantoria sertaneja.

A participação entusiasmada de Michelle lembra outro momento em que uma primeira-dama também resolveu soltar a voz com música do interior. Foi Rosane Collor, em julho de 1991, no aniversário de sua chefe de gabinete na Legião Brasileira de Assistência, Eunícia Guimarães.

A cantoria chamou a atenção do jornalista Fernando Barros e Silva, da Folha: “Nem mesmo a primeira-dama escapou do atual turbilhão caipira. (...) Emplacou ao microfone os hits ‘Nuvem de Lágrimas’ e ‘Pense em Mim’ acompanhada por 114 distintas senhoras que compareceram à festa do Palácio da Alvorada”.

A jornalista Joyce Pascowitch deu nome às companhias da primeira-dama e relatou o cenário: “Aniversário no Alvorada tem champanhe, Chanel e cantoria: primeira-dama dá festa no palácio e canta música de Chitãozinho & Xororó. (...) O backing vocal era composto pela atriz Pepita Rodrigues. Engrossado depois por todas as luluzinhas presentes. Foram cantados os grandes hits de Chitãozinho & Xororó e Leandro & Leonardo".

A imprensa da época de Rosane não fez menção a outros gêneros cantados na festa. Trata-se de um problema auditivo, pelo visto. A música sertaneja é preferencialmente enfatizada quando se trata de associá-la a um governo mal visto pelos meios de comunicação. Não custa lembrar que a imprensa da época, especialmente a produzida nas capitais do Sudeste, chamava preconceituosamente a música sertaneja de “a trilha sonora da Era Collor”.

Curiosamente, a ex-primeira-dama parece nem se lembrar disso. Rosane Collor lançou em 2014 sua autobiografia, “Tudo Que Vi e Vivi”, na qual relatou sua vida de sertaneja de origem rica do interior de Alagoas até o casamento com Collor, a eleição presidencial, o governo conturbado e por fim a separação e a vida atual. Rosane contou “quase tudo” em seu livro. Sobre música sertaneja nem uma linha sequer foi escrita.

No caso de Michelle a imprensa também preferiu focar o fato de a música sertaneja ter chegado à família presidencial. Não foi destaque nas manchetes de O Globo, Yahoo e IstoÉ o fato de que Mario Frias também cantou “I’m yours”, de Jason Mraz, ao violão. Também nada foi dito sobre Frias ter dividido o microfone com Onyx Lorenzoni e Jorge Seif nas canções “Do seu lado”, composição de Nando Reis que fez sucesso com a banda Jota Quest, e também a canção “Toda forma de amor”, de Lulu Santos.

Depois de passado o turbilhão bolsonarista, quantos se lembrarão que Matogrosso & Mathias, uma dupla que andava meio esquecida, reapareceu na boca da atual primeira-dama? Será que daqui a alguns anos Michelle também se esquecerá da cantoria no aniversário de Mario Frias num futuro livro de memórias? A música sertaneja vive muitas “idas e voltas”.

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