Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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De Marrone a Mateus, entenda a importância da segunda voz no sertanejo

Segundeiro, como é chamado no ramo, realça os vocais principais e é fundamental para a harmonia da música caipira

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Há algumas semanas o cantor Marrone foi "desmascarado" no The Masked Singer, programa da TV Globo cuja temporada terminou esta semana. Na atração, apresentada por Ivete Sangalo, personalidades cantam disfarçadas por uma fantasia. Os jurados e a plateia devem adivinhar quem é o mascarado e, a cada semana, alguém tem a personalidade revelada.

Quando Marrone foi desmascarado, houve alguma comoção. Nas redes sociais, muitos foram maldosos. "É a primeira vez que ouvimos a voz de Marrone", disse um internauta, fazendo referência ao fato de que, na dupla com Bruno, sua voz raramente é notada. Outros agradeceram: "Obrigado, Masked Singer, por poder ouvir Marrone cantar ‘Evidências’", disse outro.

A segunda voz é uma das marcas da música sertaneja. É algo que ainda lastreia sua estética à tradição. Praticamente todas as demais características já foram largamente subvertidas: arranjos, instrumentação, melodias, performances etc. Ao vermos dois artistas se apresentando em dupla, quase sempre os associamos diretamente à música sertaneja, embora tal formato não seja exclusivo do gênero. Duplas como Anavitória ou Kleiton e Kledir são exceções que comprovam a regra.

O canto em dupla tem a ver com as harmonizações criadas para as melodias sertanejas. Quando se apresentam, os cantores não entoam (ou não deveriam entoar) a mesma melodia. O segundeiro, como é chamada a segunda voz no meio sertanejo, deve fazer melodias alternativas, sem fugir da harmonia da música, realçando a primeira voz.

Por ser parte da harmonia da música, a voz do segundeiro é sempre mixada mais baixa que a primeira voz. Afinal, a voz que "gruda na cabeça" é sempre a primeira, nunca a segunda. E quando o segundeiro é bom, realça-se todo o conjunto.

O que causou espanto em relação a Marrone é que quase ninguém desconfiou que era dele a voz secreta daquela semana. Diante do virtuosismo de Bruno, Marrone quase nunca é ouvido.

Mas há segundeiros que se destacam em suas duplas. Tonico, da dupla com Tinoco, criou um padrão timbrístico que influenciou gerações. Creone, a segunda voz do Trio Parada Dura, se destacava segurando a harmonia para que Barrerito brilhasse. Pardinho, da dupla com Tião Carreiro, foi um caso raro de segunda voz mais aguda que a primeira.

Os exímios cantores Chrystian e Ralf, por sua vez, alternam-se entre primeira e segunda vozes, fazendo variações que lembram Simon e Garfunkel. Nas novas gerações, o belo entrelaçamento das vozes e virtuosismo do canto destacam-se em Victor, que fez dupla com o irmão Leo; de Maiara, da dupla com Maraisa; e de Marcos, da dupla com Belutti.

De fato, nem sempre o segundeiro é um virtuose. Ademais, seu papel nas últimas décadas se diversificou. Há casos em que ele é também arranjador e o mais atento da dupla na formatação das canções em estúdio, opinando e às vezes até produzindo os discos. É o caso de Fernando, da dupla com Sorocaba, músico de talento reconhecido e responsável pela sonoridade da dupla. O mesmo se aplica a Edson, da dupla com Hudson; Mateus, da dupla com Jorge; e Israel, da dupla Rodolffo.

Há também segundeiros que são "pensadores": refletem criticamente sobre os desejos estéticos da dupla e os comunicam à imprensa, ao público e ao meio musical em geral. Cesar Menotti, da dupla com Fabiano, tem voz modesta. Mas formata criticamente os caminhos da dupla. Nas entrevistas, Menotti é sempre quem fala mais, com ideias e opiniões contundentes. Chitãozinho também não tem o timbre de Xororó, que há décadas mantém a voz límpida e extremamente afinada. Mas é articulado, se posiciona e direciona os lugares a serem ocupados pela dupla em seu meio século de carreira.

A música sertaneja não é apenas aquela música rústica em que um duo canta em terças e quintas. E o segundeiro faz mais do que manter a tradição do formato. No mundo do sertão "big business", cantar às vezes é um detalhe.

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