Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gustavo Alonso

Entenda as semelhanças entre 'Ai Se Eu Te Pego' e 'Garota de Ipanema'

Seja como for, ambas canções fervilharam brasilidades que se construíram na fusão dos gêneros musicais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Recentemente, o hit “Ai Se Eu Te Pego” completou dez anos e alcançou a impressionante marca de 1 bilhão de acessos no YouTube. Lançado em 25 de julho de 2011, o clipe gravado na boate Woods de Curitiba foi lançado antes de a canção ser comercializada de fato pela gravadora Som Livre, o que aconteceu quatro meses depois. A repercussão internacional chegou na virada do ano, catalisada em dancinhas de esportistas famosos como Cristiano Ronaldo, do futebol, e Rafael Nadal, do tênis.

“Ai Se Eu Te Pego” não foi a primeira canção brasileira a atingir 1 bilhão de visualizações no YouTube. O funk “Bum Bum Tam Tam”, de MC Fióti, e “Olha a Explosão”, de MC Kevinho, atingiram a marca antes da canção de Teló. Na história do YouTube, mais de cem vídeos atingiram a marca de 1 bilhão de visualizações antes de “Ai Se Eu Te Pego”.

Os números atuais precisam ser relativizados e considerados em perspectiva com os significados do passado. Em maio de 2013, o clipe de “Ai Se Eu Te Pego” era o nono vídeo mais visto na história do YouTube —tinha pouco mais de 500 milhões de visualizações. Sendo assim, não se pode comparar diretamente a internet de 2012 com a de agora.

Se os números podem enganar, é o caso de se pensar nos significados daquela repercussão. Talvez o melhor paralelo para se refletir sobre “Ai Se Eu Te Pego” seja com o outro grande hit mundial da música brasileira, “Garota de Ipanema”. As duas canções de fato têm, para além das óbvias diferenças, muitas semelhanças.

“Ai Se Eu Te Pego” não foi lançada originalmente por Teló. Ela foi composta para grupos de forró da região de Feira de Santana, na Bahia. Antes da versão que se tornou famosa, já tinha sido gravada por grupos como Cangaia de Jegue, no formato de forró pé-de-serra, e pela banda Garota Safada, de forró eletrônico.

Homem branco, de cabelo loiro, tocando violão em uma fazenda
Michel Teló no EP 'Para Ouvir no Fone' - Allan Shigueaki Mogui/Divulgação

"Garota de Ipanema” foi composta em 1962, e, embora já tivesse sido cantada em show por João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, os primeiros a ter a honra de gravá-la em disco foram Pery Ribeiro, Os Cariocas e o Tamba Trio. Em maio de 1963, foi regravada em versão instrumental por Tom Jobim, em seu disco de estreia nos Estados Unidos. Até o fim daquele ano, a canção teve várias regravações, entre elas as de jazzmen como Charlie Byrd, Herbie Mann e Stan Getz —esse último no clássico disco com João e Astrud Gilberto, cuja voz ficou associada à canção.

Ambas as canções têm, apesar da distinta roupagem estética, uma temática lírica parecida: a sensualidade feminina inatingível. Ambas retratam a passagem de uma mulher bonita diante de um observador que, por meio da música, manifesta seu desejo, mas não o consuma.

A bossa nova já existia como movimento cultural antes de “Garota de Ipanema”. A repercussão de outras canções dos bossanovistas já os haviam levado a tocar no famoso Carnegie Hall, em Nova York, em 1962.

“Garota de Ipanema” consolidou o sucesso da bossa nova no exterior. “Ai Se Eu Te Pego”, por sua vez, também foi a cereja do bolo da expansão da música sertaneja fora do país, ao concretizar a hegemonia interna do gênero na seara popular e mostrar para o mundo um Brasil que não era mais o país do samba.

Ambas as canções exacerbam também as vontades “antropofágicas” de seus performers. “Garota de Ipanema” foi gravada como um samba moderno pela levada de João Gilberto e foi abraçada pelos jazzistas americanos. Tornou-se tão reconhecida que virou um standard do gênero, presente até no famoso Realbook, tradicional livro de aprendizes de jazz da universidade de Berklee. Para horror do então famoso crítico musical José Ramos Tinhorão, que lamentava os hibridismos “imperialistas” na música brasileira, o samba abraçou o mundo através da bossa nova.

“Ai Se Eu Te Pego” também abraçou o mundo. O disco de Teló que lançou "Ai Se Eu Te Pego", "Michel na Balada", de 2011, tinha exatamente a proposta de fundir diversos ritmos brasileiros e internacionais em diversas canções —“Fugidinha” era sertanejo com pagode, "Ai Se Eu Te Pego" era forró com sertanejo, “Eu Te Amo e Open Bar” era música dance tocada com sanfona e “Humilde Residência” um samba‑rock.

Homem cantando e tocando violão em foto em preto e branco
João Gilberto - Divulgação

Ambas as canções catalisaram, em suas épocas, identidades brasileiras em formação. Um Brasil moderno, que dialogava com o mundo e invertia os fluxos estéticos globais, estava presente na bossa nova. Um país festeiro, sensual, sede de cerimônias mundiais, como a Copa e as Olimpíadas, também se construiu através da orgia musical sertaneja durante os anos da pax lulista.

Hoje, isso tudo parece muito, muito distante. Seja como for, cada qual em sua época, as duas canções fervilharam Brasis que se construíram na fusão dos gêneros musicais e desejos íntimos dos brasileiros. De semelhante, o desejo de antropofagizar valores estéticos para além do purismo musical e a ambição de conquistar o mundo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.