Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gustavo Alonso

Filmografia dos Beatles, que tem agora 'Get Back', não está à altura da banda

Documentário de Peter Jackson pode nos mostrar se o grupo que revolucionou a música ainda movimenta paixões

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Esta semana foi lançado "Get Back", documentário sobre os Beatles em três episódios, que pode ser visto no Disney+. O filme de Peter Jackson, com mais de seis horas de duração, utiliza sobras das imagens captadas em janeiro de 1969 por Michael Lindsay-Hogg, durante os ensaios e as gravações do disco e filme "Let It Be".

Como já escrevemos nesta coluna, "Get Back" será uma boa oportunidade para analisarmos o quanto os Beatles ainda movimentam paixões no Brasil e no mundo. Apesar de ser cânone da música popular ocidental, a importância do quarteto de Liverpool nas novas gerações vem caindo.

Pergunte a quem tem menos de 30 anos sobre a importância de John Lennon no mundo ocidental: possivelmente, seu jovem interlocutor não saberá precisar a diferença entre o marido de Yoko Ono e... Elton John. Fui confrontado com esse desconhecimento na semana passada!

Os Beatles nunca tiveram filmes à altura de sua obra, especialmente quando eles mesmos os estrelaram. O mediano filme de estreia, "A Hard Day’s Night" (1964), ao menos foi um bom retrato da beatlemania. "Help" (1965), bem mais fraco, conta uma surreal história na qual os Beatles são perseguidos por membros de um culto indiano, que querem o anel usado por Ringo. A fita inspirou "Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa" (1970), tão fraco quanto o original.

"Magical Mistery Tour" (1967), codirigido por Paul McCartney, mostra que ser um gênio musical não garante nada em outras áreas. O filme conta a história sem pé nem cabeça de uma viagem do quarteto pelo interior da Inglaterra, no qual a banda compartilha um ônibus com familiares e personagens pitorescos.

"O Submarino Amarelo" (1968) tem algum mérito por ser uma animação psicodélica que abusa das cores e de canções famosas da banda. "Let It Be" (1970) é um filme soturno, para baixo, sem dinâmica. Retratando o período final da banda, as imagens originais pecam pela baixa qualidade (surpreendentemente restauradas em "Get Back"), capazes de transformar qualquer fã da banda em inimigo do cinema.

Até "Get Back", o último filme endossado por Paul, George e Ringo havia sido o projeto "Anthology" (1995), um documentário sobre a trajetória do quarteto, tão longo quanto chapa-branca.

Curiosamente, é nos filmes autorizados pelo quarteto que se encontra o pior da filmografia sobre eles mesmos. A depender dos próprios Beatles, a pouca sintonia entre música e cinema continuaria inexorável. "Get Back" também é um filme autorizado por Paul e Ringo e pelos familiares de John e George. Será que conseguirá superar a sina que conduz quase todo filme autorizado a ser ruim?

Mas, sobre os Beatles, há também os filmes romanceados, nos quais atores interpretam o quarteto. Nessa seara há poucas e louváveis produções. "Backbeat: Os Cinco Rapazes de Liverpool" (1994) conta a história dos primeiros anos da banda, quando Stuart Sutcliffe, o quinto elemento, ainda tocava nos Beatles. É um filme sensível e bem feito, que tematiza o período das vacas magras.

"O Garoto de Liverpool" (2010), um dos melhores sobre o quarteto, aborda a juventude de John Lennon, que se tornou órfão de mãe pouco antes de conhecer Paul McCartney, que também perdera a sua. Ambos os filmes abraçam períodos pré-fama, criando personagens consistentes com os fatos históricos.

Há ainda filmes que têm os Beatles como tema, embora eles mesmos nem apareçam. Nesta seara há três destaques. Em "Febre da Juventude" (1978), Robert Zemeckis mostrou a beatlemania pelo ponto de vista dos fãs. O diretor conseguiu uma boa mistura de reconstituição histórica e diversão ao pôr em primeiro plano os fãs americanos que queriam assistir aos Beatles ao vivo na plateia do famoso programa TV de Ed Sullivan em 1964, quando da primeira viagem da banda aos EUA.

"Across the Universe" (2007) tem bonitas imagens e canções dos Beatles contando a história de um casal dos anos 1960. Consegue ser competente no que se propõe. O mais recente filme que tematiza o quarteto foi "Yesterday" (2019). O filme tem um enredo original, na qual os Beatles teriam sido esquecidos por toda a humanidade, com exceção do protagonista, um músico amador. Apesar do começo promissor, não consegue ir além de ser uma diversão banal cujo roteiro repete os estereótipos das comédias românticas mais previsíveis.

Há vários documentários sobre os Beatles, quase todos muito comportados, referendando os mesmos marcos da carreira do quarteto, quase sempre sem nenhuma ousadia narrativa ou historiográfica. O melhor deles é "George Harrison: Living in the Material World" (2011), no qual Martin Scorsese biografa o beatle quieto, mostrando suas ambiguidades e paradoxos. Com grande acesso a arquivos pessoais e bons entrevistados, o filme poderia ter ido além, mostrando aspectos e pontos de vista inéditos.

Mesmo que haja bons momentos, a filmografia sobre os Beatles sempre esteve bastante aquém da sua música. Numa época como a nossa, em que o som está diretamente associado à imagem, os Beatles mereciam um filme à altura, especialmente os "autorizados" pela própria banda. Um filme autorizado não necessariamente é ruim, como provou "Bohemian Rhapsody" que, recolocou o Queen no imaginário da juventude digital. Veremos se "Get Back" preencherá essa lacuna.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.