Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Música sertaneja propõe cartografia de um Brasil além de São Paulo e Rio

Com diversos discos ao vivo que ressaltam cidades do interior, eixo litorâneo vira exceção para o gênero

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​A dupla Israel e Rodolffo acabou de lançar o álbum "Ao Vivo em Brasília – Vol.2". Para além da análise estética do disco, que vamos ficar devendo, há um dado interessante na proposta, que é um tanto frequente na música sertaneja.

Como quase todos os discos sertanejos, este foi gravado ao vivo. Quase sempre o disco "ao vivo" é melhorado no estúdio, onde são corrigidos equívocos dos músicos, desafinações são refeitas e a mixagem é repaginada.

Os cantores sertanejos Israel e Rodolffo - Flaney Gonzallez/Divulgação

Às vezes o disco é lançado com o rótulo de "ao vivo", sem se especificar o lugar onde foi gravado. Ou, o que é mais comum, o disco foi gravado em diversas praças diferentes.

Mas em diversos momentos os artistas sertanejos gravam em apenas um lugar e associam o disco à cidade onde este foi gravado. E, não por acaso, tais lugares quase sempre são cidades do interior do Brasil. Israel e Rodolffo gravaram em Brasília, a cidade dos sonhos de Juscelino Kubitschek, utopia de um país que quis se interiorizar nos anos 1950.

Desde o início dos anos 2000, quando a quantidade de DVDs gravados ao vivo aumentou vertiginosamente, vê-se a presença dos interiores na obra dos sertanejos. Em vez de gravar em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador ou Recife, cidades pouco representativas do gênero, os sertanejos põem pequenas e médias cidades do interior no mapa da música brasileira.

Às vezes as cidades do interior são capitais de estados, como Brasília, Goiânia ou Campo Grande. Seja como for, quase sempre são cidades pouco lembradas quando se refere à música brasileira.

Fernando e Sorocaba gravaram um disco ao vivo em Londrina (2007), assim como Thaeme e Thiago (2012). Victor e Leo já gravaram DVDs em Uberlândia (2008) e em Florianópolis (2012). João Bosco e Vinícius gravaram o CD/DVD "Coração Apaixonou" (2009) em Ribeirão Preto.

"Ao Vivo e Sem Cortes" (2009), de Jorge e Mateus, foi gravado em Goiânia, assim como o CD/DVD de Cristiano Araújo de 2012. O CD/DVD "Gusttavo Lima e Você" (2011) foi gravado em Patos de Minas. Maria Cecília e Rodolfo gravaram "Com Você" (2013) ao vivo em Campo Grande. João Carreiro e Capataz gravaram o CD/DVD "Xique Bacanizado" em Maringá (2013), mesmo ano do DVD de Conrado e Aleksandro também gravado nessa cidade.

Maiara e Maraísa gravaram um DVD em 2017 na capital de Mato Grosso do Sul, assim como Loubet (2014) e Hugo e Guilherme (2018). Palmas foi o palco do DVD de Henrique e Juliano em 2014, assim como de João Neto e Frederico (2012). São José do Rio Preto foi palco do DVD de Zé Neto e Cristiano em 2016.

Neste ano de 2022 acaba de ser lançado o álbum de Gustavo Mioto, "Sem Cortes ao Vivo", gravado em Jaguariúna, interior de São Paulo. Há dois anos, Mioto já havia gravado DVD ao vivo em Fortaleza. Brasília foi palco do disco ao vivo de 2020 de Felipe Araújo.

Algumas poucas vezes a música sertaneja usou as tradicionais capitais da música brasileira, como Rio de Janeiro e São Paulo. O Ibirapuera paulistano foi palco para Henrique e Juliano em 2020. Gustavo Mioto já gravou show na capital (2017), assim como Zezé Di Camargo e Luciano já haviam gravado na casa paulistana Olympia em 2000.

O Rio também já foi palco para DVDs de Paula Fernandes (2013) e Luan Santana (2011). Até o morro da Urca já serviu de cenário para um DVD sertanejo, da dupla César Menotti e Fabiano, em 2012.

Marília Mendonça também gravou em São Paulo e no Rio de Janeiro no DVD "Todos os Cantos" (2019). Nesse projeto ela gravou uma música em cada uma das 27 capitais do país, de Porto Alegre a Macapá, de Rio Branco ao Recife. Marília pôs São Paulo e Rio na mesma altura de qualquer capital de estado interiorano.

Gravar em São Paulo ou Rio é exceção. A regra é os sertanejos dos anos 2000 gravarem no interior. Com o desenvolvimento tecnológico, tornou-se possível transportar todo o aparato necessário para a produção de um DVD ao vivo em qualquer lugar do país. A geração dos anos 1990 não podia fazê-lo e por isso seus discos eram gravados em estúdio, sobretudo em São Paulo.

Zezé e Luciano nasceram em Pirenópolis, Goiás. Chitãozinho e Xororó são de Astorga, no Paraná. Mas ambas duplas tiveram de se mudar para São Paulo no início da carreira, pois era na capital paulista onde se produzia a música sertaneja para o resto do país. Desde meados da primeira década dos anos 2000 não é mais assim.

Gravar no interior é uma forma de se aproximar do público e valorizar a matriz interiorana da música sertaneja. Por mais que o Brasil não seja mais um país rural, afinal mais de 80% da população vive nas cidades, o gênero sertanejo se sintoniza com cidades que raramente estiveram no mapa da produção musical brasileira.

A música sertaneja, mais do que um gênero rural, é uma música dos interiores, das pequenas e médias cidades espalhadas pelos quatro cantos do país.

A música sertaneja propõe outra cartografia da música brasileira.

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