Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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De nojo a raiva, sertanejo desperta lado pouco democrático dos críticos

Nelson Motta e Zuza Homem de Mello são alguns dos que não pouparam visões irracionais sobre o gênero

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Se todos os gêneros musicais têm seus inimigos, não seria diferente com a música sertaneja. Destaco alguns desses adversários, por sua eloquência, radicalismo e intransigência.

Um dos mais importantes críticos da música sertaneja é o jornalista, produtor, compositor, roteirista e escritor Nelson Motta. Em coluna de 1992 ele escreveu: "[A música sertaneja é o] ambiente musical jeca-romântico [...] vigente, depressivo, dedicado a histórias de dor de corno e a romances mal-resolvidos em meladas guarânias e baladas sorumbáticas, destilando melancolia e sentimentalismo para baixo, para dentro, para trás. Como se a essas alturas de sua história de glórias a música brasileira precisasse sofrer influências da música paraguaia e mexicana. É como se aprendêssemos a jogar futebol com os norte-americanos".

Zezé Di Camargo e Luciano dividem palco com amigos em 'Histórias' - Tatiana Lafraia/Divulgação

Em seu livro de memórias "Noites Tropicais", publicado em 2000, Nelson Motta contou que desistiu temporariamente do Brasil por causa da música sertaneja. Ele abandonou o país quando os sertanejos atingiram o sucesso nacional e foi morar em Nova York durante boa parte da década de 1990.

Assim como Motta, o roqueiro Lobão vê na música sertaneja uma associação direta ao governo Collor, como escreveu no livro "Guia Politicamente Incorreto do Rock Nacional", de 2017: "[Uma] curiosidade relacionada ao governo Collor é a ascensão vertiginosa da música sertaneja. [...] O fenômeno se alastrará para o público citadino, dando início a era em que o Brasil se transformará num imenso arraial anal".

Por sua vez, o respeitado crítico Zuza Homem de Mello, autor de diversos livros sobre música popular, cunhou uma frase tão dura quanto simplista: "Eu já disse uma vez, e teve gente que não gostou —mas tenho certeza que a maioria concorda: um compasso do João Gilberto vale muito mais do que toda a obra do Zezé Di Camargo".

Até Chico César e Rita Lee entraram na onda. Em 2005 eles compuseram a canção "Odeio Rodeio", no qual despejaram todo o ranço contra a música sertaneja de forma bem agressiva: "Odeio rodeio e sinto um certo nojo/ Quando um sertanejo começa a tocar/ Eu sei que é preconceito, mas ninguém é perfeito/ Me deixem desabafar".

O jornalista Eduardo Bueno, famoso escritor de livros de história do Brasil, editor e youtuber, também é um radical crítico da música sertaneja. Aos gritos, Bueno gravou em vídeo publicado no último dia 5 de junho no YouTube: "Sertanejo é tudo bosta! Bosta! Bosta de gado! Bosta de vaca! Desde lá de Chitãozinho & Xororó! Os bregas da era Collor, os eleitores de Collor! Bota tudo no mesmo saco! Começou com eles e agora vem essa pandemia de música horrorosa, nojenta, feita por gente nojenta e escutada por gente nojenta. O lado bom do sertanejo é que você pode dividir as pessoas! Eu não vou diminuir a polarização! Se a pessoa disser que gosta de sertanejo, então é um bosta. Vá para Goiás, para Mato Grosso! Vai para lá! Tem que separar! Ficar tudo lá!".

O que se vê entre os inimigos da música sertaneja é uma virulência irracional, pouca vontade de compreender e muito de julgar. Generalizar é a primeira forma de se apagar indivíduos e particularidades. Critica-se a suposta massificação da música com mais massificação discursiva, num jogo de espiral que simplifica a cultura no país ainda mais do que ela já está simplista.

​A crítica musical dificilmente será algo além de ranço se não sublimar a raiva momentânea que a música de que não gostamos nos causa. É nesse ranço estético em que se lastreiam alguns dos pilares de nossas tradições antidemocráticas na cultura.

Se na política virou senso comum dizer que, de uns dez anos para cá, nos tornamos polarizados, fato é que essa polarização sempre foi vivida na música popular. Enquanto não superarmos a polarização na análise da cultura no Brasil, dificilmente chegaremos a algum lugar mais propositivo, inclusivo e democrático.

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