Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Música sertaneja une esquerda e direita, moldando o gosto das novas gerações

Se antes ninguém dizia gostar do sertanejo, agora os jovens batem no peito, inclusive os políticos das novas gerações

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Como todo bem cultural, a música sertaneja atinge públicos que se transformam ao longo dos anos. Os padrões estéticos e a sensibilidade musical de gerações passadas são subvertidos pelas mais novas quando estas inventam novas formas de consumir músicas.

Tais transformações podem ser vistas em diversas instâncias da sociedade. Desde os anos 1980, a música sertaneja vem rompendo barreiras de classe, especialmente nas capitais do Sudeste, onde atingiu também públicos de classe alta. E, com o sertanejo universitário dos anos 2000, tornou-se comum ver universitários baterem no peito, afirmando sem nenhum recalque gostar de música sertaneja, algo inimaginável poucos anos antes.

No mundo político, enxerga-se um movimento semelhante nos últimos tempos. Até bem pouco tempo, não era comum ver políticos dizerem que gostam de música sertaneja. Em geral, o que se via eram políticos do baixo clero, desses associados mais ao toma lá dá cá tão comum no Congresso, defenderem o gênero. Mas havia um certo pudor de políticos mais sérios, daqueles que defendem causas ideológicas, de se associarem à música sertaneja. Isso está mudando.

Em entrevista ao podcast "Mano a Mano", do rapper Mano Brown, o vereador paulistano Fernando Holiday (Partido Novo), político de 25 anos adepto do liberalismo econômico e de costumes (foi primeiro vereador LGBT na Câmara de São Paulo), disse: "Eu sempre gostei bastante de MPB e samba raiz. Sertanejo é também mais minha praia. Eu sempre fiquei mais nesses ritmos musicais".

Chama a atenção que o gosto estético de Holiday segue um padrão sem culpa que só é comum nas gerações mais novas. Entre os mais velhos, tal mistura não é aceitável. As novas gerações vivem essa síntese sem recalque, com uma liberdade e frescor que os torna quase incompreensíveis aos mais velhos.

Outro partidário do Novo, o deputado federal Vinicius Poit, de 36 anos, também disse que é fã de música sertaneja: "No meu Spotify só toca modão. A gente solta a voz mesmo! Eu gosto muito de modão, desde os antigos, Chitãozinho & Xororó, Rio Negro & Solimões, Gian & Giovani… E gosto desses que a gente fala que é o 'modão comercial', sertanejo universitário: Henrique & Juliano, Zé Neto & Cristiano, Jorge & Mateus e por aí vai".

E isso não é exclusividade da direita política que Holiday e Poit buscam representar. Do outro lado do espectro político, Tábata Amaral, do PSB, também se diz fã da música sertaneja.

Em uma conversa de 2020 com o já citado Vinicius Poit intitulada "Fura bolha", pelo canal Quebrando o Tabu, no YouTube, a deputada disse que seu gosto também é variado, mas há um lugar especial para os sertanejos: "[No meu Spotify] toca muito Anitta, muito forró, muito sertanejo. Toca muito Queen. É uma bagunça, mas é uma delícia. Toca muita coisa misturada. ‘Evidências’ é minha música favorita".

O gosto estético da nova geração é diferente das anteriores. As formas de se misturar sonoridades também. Essa plasticidade da escuta é um dos aspectos mais interessantes do consumo musical. E o fato de políticos de esquerdas e direitas se sintonizarem com a música sertaneja mostra que o gênero não pode ser simplificado como se fosse representativo apenas de um estrato político da população.

Quase sempre as mídias tradicionais e redes sociais têm o ímpeto de associar a música sertaneja diretamente a setores da direita e, mais especialmente, ao agronegócio. Isso é tanto mais verdade quanto mais se quiser jogar os sertanejos nesses colos.

Mas tudo é muito mais. Quanto mais difundido na sociedade, mas variáveis interpretativas um gênero musical é capaz de gerar. No caso da música sertaneja, estilo musical mais difundido no Brasil, as variantes políticas estão sendo disputadas pelas novas gerações.

O principal ganho é que a música sertaneja deixou de ser tabu para políticos que têm em comum alguma filiação ideológica consistente, por mais diferentes que sejam. Cada qual no seu quadrado. Mas com alguma coisa em comum.

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