Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Lula é a melhor biografia da história do Brasil porque é quem melhor ilumina o povo

Presidente é simbólico do país enquanto sociedade, em todas as suas ambiguidades, contradições, potencialidades e paradoxos

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Sou biógrafo. Acabo de concluir a escrita de uma biografia do sanfoneiro Dominguinhos, tido por muitos como o herdeiro artístico de Luiz Gonzaga, embora ele fosse muito mais do que isso.

Escrever biografias me faz pensar que algumas vidas são um prato cheio para um biógrafo. É claro que toda vida dá uma boa biografia, basta um biógrafo competente. Mas é inegável também que algumas vidas parecem, a priori, mais atraentes que outras.

Lula durante a posse presidencial - Gabriela Biló /Folhapress

No Brasil, me parece inegável que a biografia de Lula é a mais impressionante possível a qualquer escritor ou leitor. O golpe fraquejado que os bolsonaristas tentaram no último domingo alimentou ainda mais o espírito de fênix de um personagem de trajetória rocambolesca.

As vidas mais atraentes, pelo menos para mim, são aquelas que o indivíduo: a) atravessa classes sociais, indo da pobreza à riqueza e poder, ou vice-versa; b) tem uma vida movimentada e cheia de reviravoltas; c) é um personagem que consegue refletir sobre os lugares que ocupa e ocupou; d) sua trajetória permite enxergar a sociedade em suas transformações. Lula preenche todos esses requisitos.

Lula nasceu na miséria e ascendeu aos salões do poder mundial. Foi pau de arara e migrou pelo país enfrentando realidades distintas, um sobrevivente. Foi preso pela ditadura e participou da redemocratização.

Enquanto esteve preso, sua mãe faleceu, dando mais drama pessoal àquele momento histórico. Pouco antes de sua recente prisão, também viveu uma perda marcante, a de sua então mulher Marisa. Foi presidente por dois mandatos depois de três derrotas fragorosas, dando a volta por cima.

Desde que conseguiu chegar ao topo do poder, esteve sempre nos bastidores da política nacional, e seu partido esteve em todos os segundo turnos da Nova República. Foi reeleito depois de anos de massacre público.

Um biografado que sempre foi rico ou poderoso, dificilmente serve para ilustrar um país socialmente rachado como o nosso. Um pensador que viveu sempre recluso em seu escritório, ou um escritor fechado no seu mundo, podem dar boas biografias intelectuais, mas a falta de ação e reviravoltas comprometem uma narrativa mais sedutora.

Se não Lula, quem seria o melhor "biografável" do Brasil? Sua trajetória política cheia de reviravoltas, só pode ser comparável a de outros grandes da política internacional do século vinte, como Mandela, Hitler ou Stalin. Assim como Lula, eles saíram da pobreza, foram presos, tiveram vidas pessoais desgraçadas, ocuparam o centro do poder mundial e viveram muitas reviravoltas em suas movimentadas vidas.

Para um biógrafo, interessa menos o posicionamento ideológico de seu biografado, e mais o que sua trajetória pode iluminar de suas sociedades. Nesse sentido, a trajetória de Lula é muito iluminadora do Brasil, em todos as suas ambiguidades, contradições, potencialidades e paradoxos.

Não se trata de amar ou odiar a pessoa. Sabemos tratar-se de um personagem que, além de personalista, reproduziu em seus mandatos algumas das piores marcas da política brasileira, como o estatismo patrimonialista e a notória corrupção. Seu reformismo moderadíssimo e sua atuação centralizadora calou esquerdas mais propositivas.

Mas não é o denuncismo que está em jogo aqui. Lula, em suas contradições e ambiguidades, é simbólico de nós mesmos enquanto sociedade.

Recentemente, nos últimos dois anos, Lula ganhou biografias de peso no mercado editorial. A mais louvada delas é a do grande biógrafo Fernando Morais, que desfruta de proximidade com o presidente e talento para tal empreitada, cuja obra ainda está no primeiro volume.

O golpe bolsonarista forçará Lula a uma nova metamorfose? Ele sempre se destacou, seja dentro ou fora do PT, como soberbo negociador e pactuador. Seus governos esmeraram-se em buscar a conciliação e sua atuação revelou um sujeito de princípios bastante frouxos. Foi reeleito em 2022 sem um projeto claro, apenas na retórica do "eu sei fazer".

Agora terá que ser duro e de princípios rígidos para debelar golpistas que quiseram cortar-lhe a cabeça. É mais uma possível reviravolta na vida deste personagem que não cansa de ser o melhor biografado do Brasil. Pena que tenhamos tão poucas biografias sobre Lula, pois suas diversas facetas mereciam muitos mais livros.

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