Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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Helio Beltrão

Os covardes e o cancelamento

Os cancelados só prosperam pela covardia de líderes empresariais

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Em “Sobre a Liberdade” (1859), John Stuart Mill, pensador e ativista do século 19, teve uma sacada brilhante: alertou contra o poder entorpecente da apatia social em uma cultura que pune e ameaça de ostracismo qualquer desvio em relação a opiniões prevalentes. A ameaça da censura, defendia, não parte apenas do Estado.

Já volto ao tema cultural e sua associação com a tal “cultura do cancelamento”, mas antes umas poucas palavras adversas sobre Mill. Ele iniciou uma tradição de assalto semântico ao termo “liberal”, ousando usurpá-lo dos fundadores do liberalismo clássico. Perdurou a partir de Mill o entendimento de que o liberalismo deveria se tornar tecnocrata, focado em eficiência e racionalismo utilitário, e necessariamente antagonizar a religião e a tradição.

No século 20, essa jovem doutrina bastarda que mescla economia de mercado com uma ampla gama de intervenções estatais e centralismo dirigista ficou conhecida como “neoliberalismo”. Ao contrário dos liberais, que advogam meios —a propriedade privada, a contenção do poder central, a economia de mercado—, Mill tinha como fim a liberação do indivíduo e não se opunha a que o Estado fora o agente-meio dessa transformação social. Mill foi um protoneoliberal.

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Gabriel Cabral/Folhapress

Esse assalto semântico atingiu o ápice com John Maynard Keynes, cujo “liberalismo” incluiria qualquer intervenção estatal, bastando que não fosse defendida por nazistas ou bolcheviques. No Brasil de hoje, neoliberais e social-democratas seguem sua cruzada pela captura do termo, como ocorreu nos EUA. Felizmente, a doutrina do liberalismo está bem sedimentada por aqui.

Retomo o tema da “cultura do cancelamento”, que vai além do boicote passivo contra quem tenha atitudes ou opiniões abomináveis. O cancelamento não se trata da reação da pessoa comum que se sente ofendida, mas do ativismo obsessivo para causar dano: expulsar o fulano de todas as redes sociais, macular sua reputação, alcançar sua demissão e exigir que todos o boicotem sob risco de sofrer similar ira.

Os canceladores exigem perfeição. Não interessa o contexto ou o conjunto da obra do dito cujo; um único deslize, atual ou escavado no Twitter, é o suficiente.

É pior ainda: o tal “deslize” pode apenas resultar de interpretação errônea ou ideológica. A preocupação de Mill era que a sociedade precisava se proteger da tirania da maioria e sua opinião dominante, porém o problema atual é mais grave: a tirania da minoria, desses ativistas tóxicos que nem arrumam a própria cama, mas que, munidos de seu pedantismo moral purista que não admite ambiguidade nem contextualização, tornam-se profissionais em atirar a primeira pedra em tempo integral.

Foi vítima deles o jornalista liberal Leandro Narloch, demitido sumariamente da CNN Brasil por um comentário incontroverso, interpretado como ofensa aos homossexuais. Narloch tem consistente histórico de tolerância e respeito aos homossexuais.

Os canceladores só prosperam pela covardia de líderes empresariais que, ao apaziguá-los, se curvam às suas demandas tóxicas, mesmo inexistindo objeção consensual e representativa pelo grupo supostamente ofendido. Quando ocorre tal objeção, a reclamação me parece justa, e eu não a chamo de cancelamento.

Nos EUA, a própria elite progressista que aplaudia os cancelamentos dos apoiadores de Trump percebeu os excessos e já reage, caso da carta da revista Harper’s assinada por 150 celebridades. A Hachette UK foi pioneira ao proibir que seus colaboradores que discordam das visões da autora J.K. Rowling se recusem a trabalhar em seu próximo livro.

São atitudes corajosas que faltaram à CNN e seus anunciantes ao cederem à minoria ruidosa de progressistas profissionais. Não podemos nos dobrar aos canceladores.​

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