O Congresso Nacional está cozinhando um projeto que estabelece proibições a aplicativos, cria reserva de mercado e, por consequência, pune viajantes de ônibus com serviços ruins e tarifas mais altas.
Ao suprimir a liberdade de empreender e atacar a inovação, atrapalha a geração de renda, investimento e emprego. Trata-se do PL (projeto de lei) 3.819/2020, que altera as regras de transporte interestadual de passageiros.
O projeto —patrocinado por Rodrigo Pacheco, herdeiro de empresas do setor, como revelado por esta Folha— tramitou no Senado, chegou à Câmara, onde ficou parado por alguns meses, e ressurgiu na última semana legislativa, com jeito de pauta marota de virada de ano. Pode ser votado a qualquer momento, com forte apoio do lobby das empresas de ônibus.
Pacheco não é o único senador com flagrante conflito de interesses nessa tramitação. Chiquinho Feitosa (DEM-CE) é diretor-presidente de um grupo de empresas de transportes de passageiros com linhas intermunicipais e interestaduais em dez estados, mais o Distrito Federal.
O mercado de viagens entre municípios é atendido por: a) empresas consolidadas, como a do senador Feitosa; b) microempresários donos de poucos veículos (ou apenas um); e c) fretadores de turismo, que oferecem serviços para grupos fechados, alugando ônibus de terceiros.
Nos últimos anos, os passageiros festejaram a chegada de aplicativos de fretamento compartilhado, do estilo Uber, que, por sua vez, direcionaram vitais negócios aos sofridos micro e pequenos empresários de transporte. Quem viajou recentemente atestou como é fácil e barato utilizar aplicativos que comparam preços de passagens.
O ataque do projeto de lei à livre iniciativa se dá em múltiplas frentes.
Primeiramente, ordena a revogação de 14 mil linhas concedidas em 2019 e 2020 (que cobrem 6.000 novas rotas e atendem 128 novos municípios). A justificativa é que tais linhas foram concedidas sem licitação.
Porém, desde a promulgação da Constituição de 1988, não houve licitação alguma de linhas. Todas foram autorizadas pelo respectivo poder concedente, sem licitação, ou dependem de medidas jurídicas. A revogação seletiva das linhas concedidas em 2019 e 2020 parece direcionada a castigar os aplicativos e novos entrantes.
Outro artigo estabelece exigência mínima de 40% de frota própria, restringindo a operação apenas às grandes empresas capitalizadas.
Finalmente, o PL estabelece a obrigatoriedade de "estudos de viabilidade", tarefa que o grande empresário tira de letra, mas que representa barreira burocrática desproporcional ao microempresário, carente em recursos, tempo e despachantes ou consultores especializados.
Dificuldades estabelecidas em lei —justificadas por (supostas) preocupações legítimas, mas cuidadosamente desenhadas para afastar competidores entrantes— são práticas protecionistas arraigadas e nocivas que precisam acabar.
O PL 3.819 ousa atentar contra a economia compartilhada ("gig economy"), impulsionadora do crescimento no mundo, que melhora serviços e preços, e simultaneamente gera empregos e negócios para motoristas, freelancers, voluntários, artistas, trabalhadores sazonais, entre outros.
Estudo da Somos Inovación elencou São Paulo e Rio de Janeiro como cidades líderes em economia compartilhada na América Latina, que até agora têm acolhido modelos de negócios de empresas como FlixBus, Buser e ClickBus.
Quem ganha, afinal, com a aprovação do PL 3.819?
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.