Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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Helio Beltrão

Democracia em perigo

Ataque à liberdade de expressão agride a democracia

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Ao final do programa Roda Viva da semana passada, questionado sobre liberdade de expressão, o historiador liberal-conservador Niall Ferguson deu uma aula magna em três minutos.

Denominou-se "fundamentalista" da liberdade de expressão e do debate franco, vitais para uma sociedade livre. "Todos", afirmou, "devem ter o direito de fazer as perguntas difíceis, de contemplar hipóteses impopulares e de expressar o indizível." O único limite da liberdade de expressão é uma ameaça explícita a um indivíduo, disse.

Segundo Niall, "palavras não são violência, violência é violência". Ideias não são perigosas, segundo o historiador, "perigosos são os censores". A justificativa atual da censura é o discurso de ódio, que, para Niall, é o equivalente no século 21 à heresia e à blasfêmia. Finalmente, afirmou que "nada é mais danoso à sociedade do que se calar a livre expressão".

O historiador escocês Niall Ferguson, que participou do ciclo Fronteiras do Pensamento
O historiador escocês Niall Ferguson, que participou do ciclo Fronteiras do Pensamento - Central European University/Divulgação

No Brasil, atualmente há dezenas de prisões, inquéritos, milhares de ordens de censura e de derrubada de posts e bloqueios de uso de redes contra cidadãos que emitem opiniões controversas.

O Estado não atua em prol dos bons princípios, mas impõe uma superioridade, tutelando a população. Pode-se até suspender o juízo moral e alegar que as ordens de calar são passivas, impostas pela Carta Magna. É uma racionalização niilista, confortável, mas amoral. Além disso, são ordens que, caso persistirem, devem nutrir uma perigosa reação em cadeia.

O ímpeto policialesco não difere substancialmente do antiquado instrumento do "lesa-majestade": "quem criticar ou expuser uma autoridade ou o sistema democrático arrisca ser preso, a nosso critério soberano".

As ordens parecem direcionadas a impor punição exemplar a seletos formadores de opinião com grande base de seguidores (peixes pequenos não são punidos), com o objetivo de impedir que opiniões traiçoeiras, inaceitáveis ou mentirosas ganhem tração.

Ao se perseguirem deputados, líderes de certos segmentos e até empresários, declara-se tola guerra à população representada por tais formadores de opinião. Não é inteligente. A história demonstra que a perseguição estatal a "ideias subversivas" —sejam críticas contra privilégios ou autoridades, ou teorias da conspiração— não impede sua disseminação. Usualmente são galvanizadas pelo cerco estatal e podem fomentar uma frente única em oposição. A tecnologia intensifica o processo.

Nossa trajetória como brasileiros não admite que o Estado detenha o poder de calar opiniões a priori. De forma abrupta em termos históricos, há uma alteração fundamental dos princípios do pacto de 1988, ainda que paradoxalmente se alegue estrita aderência à letra do pacto. Por sinal, a democracia é suscetível a maliciosas deturpações que conferem verniz de legitimidade ao arbítrio.

Depois das décadas de censura, da ditadura Vargas ao regime militar, retornaremos ao obscurantismo anterior à Constituição de 1988? A maior parte da esquerda permanece calada.

Para os defensores da liberdade de expressão —de direita, esquerda ou liberais—, a perseverança e a resiliência de cada vítima de ordem judicial de prisão ou de censura em razão de sua opinião é motivo de júbilo.

A solução não parece complicada. Basta que se retorne ao status quo de 2019, anterior à instauração do famigerado inquérito que viabilizou as ordens. Mas parece que o STF está convencido de que detém legitimidade em tal poder e de que deve usá-lo; está convencido de que não haverá reação, pois se trata de indivíduos ou opiniões "abjetas"; está convencido de que qualquer tipo de apaziguamento é desnecessário, que o importante é seguir o trabalho de limpeza.

Isso é um perigo.

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