Em 2008, soube pelos jornais que uma família simples de Timóteo, Minas Gerais, estava sendo perseguida pelo Estado por deixar de matricular seus filhos na escola pública. Cleber Nunes e sua esposa, Bernadeth, optaram pelo ensino domiciliar (homeschooling) dos seus filhos, Jônatas e David, a partir dos 10 e 11 anos, respectivamente. Julgavam que o ensino público até ali havia sido deficiente e inadequado.
Fiquei impressionado com a resiliência daqueles pais que enfrentavam o sistema que ameaçava tirar a guarda de seus filhos por um alegado abandono intelectual que nunca existiu.
Li aquela reportagem e, ato contínuo, me pus a caçar o contato do Cleber. Disse-lhe que gostaria de ir a Timóteo naquela semana para conhecê-lo e apertar suas mãos. Nasceu uma bela amizade desse encontro súbito em Minas Gerais.
A batalha cível e criminal contra o Conselho Tutelar, o Ministério Público e o governo ainda levaria anos. A pressão era descomunal. Preservados na medida do possível quanto ao terror da situação, os meninos brilhavam: passaram na prova do vestibular dois anos antes da idade tradicional. Enquanto litigavam no Tribunal de Justiça, provas com aviso prévio curtíssimo foram impostas aos garotos.
A família Nunes venceu todas as batalhas, e a guerra. A Justiça desistiu de tomar a guarda, e Jônatas e David alcançaram a maioridade sob ensino domiciliar. Por força de seus princípios, Cleber se recusou a pagar as multas decretadas nos âmbitos cível e criminal.
Assim como Cleber e Bernadeth, há milhares de famílias no Brasil que enfrentam a insegurança jurídica do ensino domiciliar. Não há proibição em nosso ordenamento jurídico, mas na prática o risco de perseguição é enorme.
É, portanto, auspicioso que a Câmara dos Deputados tenha aprovado o ensino domiciliar (ED). Há várias salvaguardas previstas, como as avaliações periódicas e a proteção à criança. O projeto segue para o Senado e sanção presidencial.
O ED não configura uma proposta de política pública de ensino. Representa principalmente a descriminalização de um método de ensino que pode se adequar à situação específica de centenas de milhares de famílias.
Os casos típicos são os de pais-professores, pais que prefiram tutores a amargar escolas fechadas, núcleos religiosos e pais que rejeitem o currículo enlatado pelo Estado (com ensino sexual prematuro, versões contestáveis da história do Brasil ou outras pasteurizações inadequadas a famílias muito diversas em costumes e tradições no vasto território nacional).
Os estudos invariavelmente comprovam que pais que se comprometem com o ED em média proveem um ambiente acadêmico com excelentes resultados, especialmente em comparação com o ensino público ("Academic Achievement...", Brian Ray, 2010). A socialização também apresenta resultados iguais ou melhores ("...The Question of Socialization, Medlin, 2013).
A despeito da ampla literatura, a grita contra o ED é grande e vem do mesmo poço de tantas outras mazelas do Brasil: a mentalidade estatista, o vício no paternalismo. Alegam que o Estado defende melhor o interesse do seu filho do que você.
Parte central do conceito de "educação" é o que se aprende em casa: hábitos, valores, ética. A escola pode tocar nesses temas, mas se esperam sobretudo "ensino" e formação intelectual de qualidade.
Desgraçadamente, nosso deficiente ensino público é uma máquina perpetuadora de desigualdade de oportunidades. Os mais simples, como a família Nunes, querem algo melhor. Não se pode descartar que a competição e a experimentação advindas do ED gradualmente incentivem a melhoria do ensino público futuro.
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