Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Jairo José da Silva, físico, professor titular de matemática, aposentado da Unesp e pesquisador nível 1 do CNPq.
Está na moda cobrar do Estado brasileiro maior aporte financeiro à pesquisa científica. Não que ele já não gaste demais com a inchada estrutura universitária pública, as instituições voltadas precipuamente à pesquisa científica e as agências federais e estaduais de fomento. Mas gasta mal, como demonstra o fraco resultado obtido.
Medida como se deve, em termos de impacto, de citações, a ciência brasileira está atrás de países menores e com muito menos recursos (segundo artigo de Pesquisa Fapesp de 2020, o número de cientistas brasileiros altamente citados é menor que os de Taiwan, Irlanda, Israel, Hong Kong e Arábia Saudita, para não mencionar os grandes).
Entre os maiores PIB do planeta, estranha que o Brasil não tenha nenhuma universidade entre as grandes do mundo. A educação científica brasileira é desastrosa, como mostram os resultados obtidos por estudantes brasileiros em matemática e ciência nos testes do Pisa, e a cultura científica popular é nula.
Eu duvido que muitos políticos ou intelectuais brasileiros, para não falar das pessoas comuns, consigam enunciar corretamente a segunda lei da termodinâmica. Entre nós, ciência não é prioridade. Quantos jornais brasileiros mantêm cadernos voltados à ciência ou colunistas especializados em ciência? Quantas editoras nacionais publicam coleções de natureza científica? Quantos cientistas pátrios se dedicam à divulgação científica?
São muitos os motivos pelos quais o dinheiro do contribuinte investido em ciência no Brasil não rende melhores frutos. Para começar, o sistema é altamente burocratizado —muito tempo é desperdiçado com atividades administrativas, reuniões, relatórios, formulários, prestação de contas— e perdulário —muito dinheiro é investido em imensos congressos inúteis, viagens e estágios sem consequência e programas ineficientes (como o Ciência sem Fronteiras).
Mas a verdadeira causa está mais embaixo, na leniência. Não se produz ciência de ponta fora de um sistema altamente competitivo e cuja produtividade não seja constantemente avaliada pelos parâmetros mais rigorosos. Não é o nosso caso. As palavras "mérito", "produtividade" e "avaliação" causam frisson no ambiente acadêmico, sendo vistas antes como palavrões. Nós temos legiões de sábios ágrafos sustentados pelo erário sem produção que o justifique.
Sofremos também de proverbial timidez e hesitamos em nos dedicar confiantes às grandes questões que excitam o mundo científico. Nosso ideal é sermos discípulos dedicados de mestres ilustres. Preferimos enviar nossos artigos para revistas menos relevantes, onde eles têm maior chance de publicação, mas serão menos lidos e menos citados, a mandá-los para as grandes revistas.
A falta de competitividade e a avaliação complacente incentivam essa tibieza. Em algumas áreas acadêmicas, há profissionais que, apesar de reputados, nunca publicaram coisa alguma internacionalmente ou em outra língua que não o português. Como se existisse ciência en petit comité.
Menos que mais dinheiro público, a ciência brasileira precisa de ousadia, melhor gestão, mais eficiência, maior empenho em educação e divulgação científicas, competitividade e aprimoramento de processos de avaliação.
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