Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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Helio Beltrão

Uma carta eleitoreira

O respeito ao resultado das urnas é inegociável, mas há outras ameaças à democracia

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Continua em evidência a carta pela democracia elaborada pela USP. Tem por objetivo alertar contra discursos supostamente subversivos do presidente Jair Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas, bem como sobre especulações de que incitará a turba e aplicará um golpe de Estado caso perca as eleições. É uma carta contra um alvo só, portanto com conotação eleitoreira, ainda que sutil.

O respeito absoluto ao resultado das urnas e ao processo eleitoral é inegociável. Não cabe relativização ou racionalização. Não me tira o sono essa questão, a despeito do vexame da reunião com os embaixadores. O Brasil é bastante mais institucionalizado do que muitos creem. O perdedor nas urnas simplesmente vai embora, ponto. Imaginar caminho distinto é desconhecer e subestimar nossas instituições (incluindo as Forças Armadas) e a maturidade de nosso Estado de Direito.

A carta contém a premissa tácita de que as reiteradas críticas do presidente às urnas eletrônicas são premeditadas: constroem o pretexto para que conteste o resultado das eleições, mobilize os bolsonaristas e aplique o golpe, em caso de derrota. Descarta a hipótese de que o presidente desconfie verdadeiramente da inviolabilidade das urnas e do processo de apuração e totalização, ou queira mitigar esse risco. Parece haver entre os signatários a crença de que a lisura é de 100%, sem possibilidade alguma de ataque malicioso, fraude ou erro. Quem não concorda com a lisura de 100%, sem riscos, das eleições vindouras é tomado por golpista, inimigo da democracia.

Fachada do prédio da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, em São Paulo - Eduardo Knapp - 20.jan.22/Folhapress

Entre os opositores ferrenhos, a acusação de um golpe de Estado iminente é recorrente desde 2018. Aparentemente sua narrativa está ganhando tração. Nos Estados Unidos, não foi diferente com Trump, ainda hoje acusado pela esquerda de ter tentado um golpe. A palavra golpe, de tão abusada, perdeu muito do significado. Golpe passou a englobar não apenas atos contra a Constituição, mas discursos hiperbólicos, asneiras e até especulações sobre o futuro.

A defesa da democracia, ou seja, de nossas instituições e da Constituição Federal (negada pelo PT em 1988), exige que sejamos mais abrangentes.

A ameaça vem também, por exemplo, de quem propõe controle externo de juízes e do Judiciário para interesses partidários ou mudança de regras no STF, como o aumento do número de ministros. Vem de quem propõe estabelecer conselhos e comitês para gerir a sociedade, suplantando as instituições constitucionais. Vem de quem propõe controle da mídia ou persegue jornalistas. Vem de quem aplica a censura prévia e prende cidadãos e até representantes do povo com base em discursos considerados inaceitáveis.

Vem de quem propõe uma sociedade baseada em igualdade de resultados, suplantando a livre associação. Vem de quem tenha histórico de comprar os votos dos representantes do povo e de descumprir leis fiscais para benefício eleitoreiro. Vem de quem utiliza dinheiro público para financiar governos de países alinhados ideologicamente, em prol de uma supra-aliança de proteção mútua para perpetuação no poder. Vem de quem apoia Maduro e Castros, considerados "democráticos", e que atribui a culpa de a Venezuela ter se tornado o país mais pobre das Américas à oposição. Vem de quem aplica a corrupção sistêmica como programa de governo.

De fato, a memória do brasileiro é curta. A percepção de perigo democrático no governo atual ofusca o caráter comprovadamente arbitrário da turma que quer voltar.

Nossa prática política dos últimos tempos tem sido baseada na estigmatização do oponente como inimigo da pátria. A carta tampouco escapa deste zeitgeist; na verdade, o acentua.

Tempos difíceis. Como disse o barão de Mauá sobre a Guerra do Paraguai: "Essa guerra maldita vai ser a ruína do vencedor e a destruição do vencido".

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