Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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Helio Mattar
Descrição de chapéu Consumo Consciente

Consumo de bens perde espaço para o de experiências  

Sensação de pertencimento tem a ver com vivências compartilhadas, como viagens

Sabemos que a sociedade vem passando por mudanças com um dinamismo nunca antes visto. Mudanças tecnológicas e sociais, que se retroalimentam, ocorrem mais rápido do que somos capazes de acompanhar. Essas mudanças ocorrem também na área do consumo, seja na forma como as escolhas se dão, seja no direcionamento que os consumidores tendem a dar às suas preferências. São mudanças que atingem toda a malha da sociedade.

Ilustração Consumo Consciente
Núcleo de Imagem


Uma afirmação feita por Steve Howard, responsável global de sustentabilidade da Ikea, marca sueca de móveis, aponta para uma mudança bastante significativa nas tendências de consumo. Ele disse, em um fórum de sustentabilidade organizado pelo jornal britânico "The  Guardian", em 2016, que a sociedade ocidental como um todo atingiu um “pico” de consumo no segmento em que a sua empresa atua.

O  consumidor simplesmente parece não ter mais o mesmo ímpeto de substituir seus móveis como tinha antes. Os comentários de Howard são corroborados por uma série de evidências: dados macroeconômicos, pesquisas de mercado e acadêmicas apontam para uma mudança significativa na direção do consumo, com claros sinais de substituir o gasto em bens e produtos por gastos com “experiências”, entendidas como vivências que trazem prazer e realização pessoal. 

Uma pesquisa liderada pelo grupo Harris, por exemplo, concluiu que os gastos com experiências 
aumentaram 70% nos últimos vinte anos nos Estados Unidos. As pessoas, com destaque para os millenials ou geração Y, demonstram priorizar gastos com experiências sobre gastos com bens materiais.

Essa constatação é extremamente importante, especialmente considerando que essa faixa etária representa a maioria das pessoas no mercado de trabalho, e que, nos Estados Unidos, é responsável por movimentar US $ 1,3 trilhão anualmente em demanda por consumo. Isso parece indicar que o “sonho de consumo” e o ”american way of life” no país que idealizou essas formas de viver e que permearam toda a sociedade ocidental nas últimas décadas vem mudando significativamente.

Para entender as razões desta mudança de tendência, um fator chave é o avanço e a globalização das tecnologias de telecomunicação. Plataformas como o AirB&B e aquelas voltadas ao planejamento de viagens, ao lado da variedade de ofertas e preços de vôos, permitem democratizar viagens antes limitadas ao topo das faixas de renda. Com isso, os consumidores passam a priorizar experiências de viagem e,
em função disso, buscam aproveitar ao máximo os produtos já adquiridos em vez de priorizar a troca por produtos mais novos. Além disso, essas experiências são relatadas e compartilhadas em redes sociais, o que lhes agrega status e as torna mais desejáveis do que a compra de bens materiais em termos de satisfação pessoal.

Mas esse fenômeno vai além disso. Pesquisadores, com destaque para Gilovich, Kumar e Jampol, da Universidade Cornell, vêm estudando essa dinâmica nos últimos anos e identificando correlações que permitem entender as variáveis psicológicas que movem o consumo de experiências.

Comparando as percepções dos consumidores no consumo de experiências e de bens materiais, os pesquisadores identificaram que a satisfação dos consumidores (aquela sensação de realização pessoal e prazer que vem atrelada a uma compra) aumenta com o tempo no caso das experiências e diminui no caso dos bens materiais. Outra constatação correlata é que é muito mais comum se arrepender da
compra de um bem do que de uma experiência, mesmo que ambas não tenham atendido à expectativa inicial. Isso porque, por mais que a posse de um bem material seja representativa da personalidade de uma pessoa, o bem nunca será parte de nós da mesma maneira que uma experiência, que nos enriquece e faz com que nós, como indivíduos, possamos ser mais do que imaginamos ser a soma de nossas partes.

Outra constatação interessante é o impacto nas relações sociais que o consumo voltado para as experiências tem. Mesmo que possuir um bem seja capaz de, ao menos momentaneamente, transmitir uma sensação de pertencimento a um determinado grupo, o que realmente faz com que haja uma real
conexão entre as pessoas é o sentimento de experiências compartilhadas entre elas, como ocorre ao ter feito uma mesma viagem, ou ter ido a um mesmo show, ou ter experimentado o mesmo prato em um
restaurante. 

É parte da existência humana a busca de pertencer a um mesmo grupo, compartilhando sentimentos comuns. A tentativa de chegar a tal pertencimento por meio do consumo de bens materiais, bastante percebida no consumo da moda, é muito mais fugaz e menos gratificante do que o que ocorre no compartilhamento de experiências.

Por outro lado, como apontou o renomado pedagogo americano John Dewey, o verdadeiro aprendizado se dá através da prática e as vivências têm o potencial de tornar as pessoas mais abertas, mais sensíveis e empáticas ao mundo que as rodeia, o que aumenta a aceitação da diversidade e das necessidades e limitações dos outros. Esta é uma revelação promissora do ponto de vista da sustentabilidade,
visto que a empatia – representada pela aceitação e preocupação com os outros – leva a buscar reduzir os impactos negativos e a aumentar os impactos positivos na ação humana, o que é essencial na busca por um mundo melhor.

Uma das dificuldades de comunicar e educar para a sustentabilidade é a relativa à intangibilidade do assunto. Fala-se de gerações futuras, de desgaste ambiental e exploração desumana de trabalhadores que estão muito longe do dia a dia das pessoas. Uma maior empatia permite entender e se preocupar com o outro, com o planeta e com o meio ambiente de uma maneira mais ampla e mais sincera. E isso,
em conjunto com a evolução e a realização pessoal trazida pelas experiências,  parece concretizar uma tendência na direção de uma organização social menos materialista e consumista, e para uma mudança nos valores praticados no cotidiano das pessoas. Valores estes que, de fato, precisam urgentemente ser
revistos se queremos ter o suficiente para todos para sempre _ expressão mais simples, mas não menos precisa das condições para um futuro sustentável.

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