Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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Descrição de chapéu Consumo Consciente

O direito de consertar e a extensão da vida útil dos produtos

EUA e UE têm normas que obrigam fabricantes a garantir peças de reposição por mais tempo

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É muito comum o descarte de produtos ainda em boas condições de uso. Seus proprietários querem trocar pelos modelos recém-lançados na expectativa de terem funcionalidades que parecem imprescindíveis ou, simplesmente, porque são apresentados como mais bonitos ou modernos. 

Modelos de celulares lançados em 2013
Modelos de celulares lançados em 2013 - Folhapress

Em outros casos, o proprietário se vê frente a um custo de reparo muito alto se comparado ao preço de um novo produto. “Não vale a pena...”. 

Qualquer que seja a situação, perde-se a oportunidade de estender a vida útil do produto e, com isso, há necessidade de retirada de mais recursos naturais para a fabricação de um novo, com todos os impactos sociais e ambientais decorrentes da redução progressiva da vida útil dos produtos, seja pelo efeito da propaganda, seja pela obsolescência técnica, seja pela dificuldade para consertar. 

Esse fenômeno pode ser uma obsolescência “programada”, quando é consequência de mudanças no design ou na efetiva vida útil do produto do ponto de vista técnico ou operacional, levando o produto a, rapidamente, deixar de ser funcional . 

Mas pode também ser uma obsolescência “percebida”, quando um produto em perfeitas condições de uso passa a ser considerado obsoleto pelo usuário, unicamente devido ao surgimento de uma nova versão.

Como exemplo, aproximadamente um terço dos brasileiros que possuem smartphones tem a intenção de trocar seu aparelho em menos de um ano, desejo este que não decorre da obsolescência programada – pois a vida útil do produto ultrapassa em muito o período de um ano – mas da obsolescência percebida. 

Qualquer que seja o fenômeno, esse processo impacta negativamente o meio ambiente: estima-se que, para produzir um único smartphone, são extraídos, em média, 28,6 kg de matéria prima bruta, que precisam ser transportadas, processadas na forma de componentes, levadas até as empresas montadoras, resultando no smartphone que, por sua vez, é transportado para os centros de distribuição e para o varejo; tudo isso consumindo energia elétrica, energia nos transportes, água e gerando poluição pela emissão de micropartículas e pela emissão de carbono, contribuindo para o aquecimento global e para problemas na saúde das pessoas. 

Sem falar dos impactos do descarte dos produtos antigos e do gasto financeiro pessoal, que muitas vezes resulta em endividamento.  

Você já parou para pensar nos produtos novos que comprou nos últimos anos, seja porque os itens antigos quebraram e não foram reparados, seja por vontade de adquirir algo novo? E quando foi comprar um novo produto, você refletiu se a compra era mesmo necessária ou considerou os impactos ambientais e sociais associados a ela? 

Do ponto de vista de reduzir os impactos negativos relacionados à troca de produtos, é importante refletir sobre a importância de utilizar os produtos em seus níveis máximos de utilidade, procurando formas de adiar ou reverter sua obsolescência, visto que, ao estender sua vida útil, seriam evitados muitos desses impactos . 

Mas, como tornar isto possível? Do ponto de vista dos fabricantes, há três abordagens que podem contribuir positivamente para a extensão da vida útil dos produtos:  1 - resistência à obsolescência – na forma de criação de produtos mais duráveis, 2 - adiamento da obsolescência – na forma de produtos planejados, quando de seu projeto original, para facilitar reparos e atualizações, e 3 - reversão da obsolescência – por meio de estratégias que permitam reverter a obsolescência de um produto por meio de reparo ou da remanufatura. 

A lista de benefícios de tais ações é grande, pois o consumidor poderá ter uma economia financeira, o meio ambiente sofrerá menos pela redução no consumo de recursos naturais, e haverá uma redução do volume de resíduos gerados, evitando os impactos negativos do seu transporte e tratamento.  
 

E poderá haver até mesmo a geração de postos de trabalho, visto que os reparos, atualizações, reciclagem e remanufatura são atividades mais intensivas em mão de obra do que os processos usados pelas indústrias fabricantes, uma vez que as máquinas robotizadas exigem cada vez menos mão de obra em sua operação.

Várias dessas ações têm a ver com um modelo de economia mais circular. Para isso, há necessidade de participação do governo por meio da promoção de campanhas de conscientização e informação dos consumidores, da promoção de certificações que possam dar maior segurança ao consumidor em relação aos produtos recondicionados, além do oferecimento de benefícios tributários para os produtos de maior durabilidade. 

Como exemplo, os governos dos Estados Unidos e da União Europeia criaram normas que obrigam os fabricantes a permitirem que os bens sejam de fácil reparo, com disponibilidade de peças de reposição por tempos longos. É o chamado “direito de consertar” (right to repair, em inglês), uma solução para que os produtos que deixem de funcionar possam ser consertados, evitando a sua substituição. 

No Brasil, caminhamos lentamente nesse sentido. Contamos apenas com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que determina a obrigatoriedade de serem disponibilizadas peças de reposição para o reparo de produtos por um período razoável, mesmo após o produto não estar mais disponível no mercado. 

Em 2017, ao se discutir qual seria esse “período razoável”, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que obriga fabricantes a manterem um estoque de peças de reposição para seus produtos após a sua fabricação por um prazo que não deve ser inferior à sua vida útil, como indicada no seu manual, ou ao período de garantia inicial do produto; na ausência de tais informações, o prazo mínimo será estabelecido como sendo de 10 anos.

Esta proposta (projeto de lei nº 3002/2011) , inicialmente atingia apenas os veículos automotores, mas foi sua validade foi expandida, pela Comissão, para todos os produtos. A proposta está, neste momento, aguardando designação de Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e, se aprovada, seguirá para o plenário. 

Por outro lado, os consumidores têm o importante papel de cobrar das empresas e do governo estratégias e regulamentos que contribuam com a extensão da vida útil dos produtos e que também possam contribuir para um modelo econômico circular.

Naturalmente, mesmo na vigência de um novo modelo de economia circular, em algum momento os produtos não terão mais conserto, quando então será importante que o consumidor os encaminhem para empresas de reciclagem (encontre o ponto de reciclagem mais perto de você aqui). Ou, no caso de produtos ainda em boas condições e que não são mais desejados pelo consumidor, em vez de descartá-los, é possível vendê-los por meio de plataformas que oferecem artigos de segunda mão ou oferecê-los em feiras de trocas ou ainda, simplesmente, fazendo a doação dos mesmos. ​

E mesmo que a compra de um produto seja de fato necessária, a compra de um usado pode ser uma opção, além da possibilidade de compartilhamento ou aluguel, principalmente ao se tratar de produtos de uso pontual, como é o caso de um carro grande, usado basicamente para viagens, quando não faz sentido comprar algo que será pouco usado.

Tendo em vista os impactos positivos gerados pela extensão da vida útil dos produtos, tanto para o meio ambiente quanto para a sociedade, cabe a cada um dos atores envolvidos – governos, empresas e consumidores – trabalharem em conjunto para que se possa atingir a mudança necessária. E, acima de tudo, é necessária uma mudança de mentalidade que supere a visão da descartabilidade dos produtos, caminhando para a extensão da vida útil dos produtos como uma real oportunidade para todos os stakeholders. 

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