Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Helio Mattar

Modo de viver provocado pela pandemia vai se manter?

Cinco fatores ajudam a avaliar a probabilidade de mudanças permanecerem no pós-pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Por força da pandemia, os consumidores mudaram seus modos de viver em diversas dimensões, como a forma de trabalhar, de se deslocar, de morar, de se educar, de comprar, de viajar, de se alimentar, de se cuidar, de se divertir, de se solidarizar, de se relacionar com a sociedade.

Proponho alguns fatores como sendo indutores e viabilizadores das mudanças e cuja análise permite avaliar a futura permanência, ou não, de aspectos desse novo modo de vida. Ainda que seja imenso o risco de prever o que se manterá pós-pandemia, creio que vale o exercício, pois é revelador do que está se passando na vida das pessoas.

De um modo geral, como apontado em coluna anterior, a pandemia atua como um acelerador de futuros, tornando lugar-comum formas até há pouco incipientes de viver ou que ainda não haviam sido adotadas em larga escala.

O primeiro fator indutor e viabilizador da mudança, possivelmente o mais determinante, é a pandemia ter forçado o isolamento de uma grande parcela das pessoas, tornando obrigatória a mudança no modo de viver. Não fosse essa obrigatoriedade, algumas mudanças se diluiriam no tempo e seria longo o período necessário para acontecer a experiência e a adoção do novo, dado implicar sair da zona de conforto.

Com a pandemia, as pessoas foram forçadas a deixar um modo automático de viver e buscar novas maneiras de atender às suas necessidades. A obrigação de encontrar alternativas causou uma ruptura que permitiu a experimentação de formas de fazer as coisas que antes seriam descartadas. Agora, mais do que disposição, há necessidade de experimentá-las.

O segundo fator é a longa duração da pandemia, que permitiu às pessoas, mesmo que a contragosto, experimentar e ter tempo suficiente para eleger formas de fazer, o que inclui: identificar e escolher opções de como fazer diferente; experimentá-las, aceitá-las ou rejeitá-las até encontrar a que melhor atende ao desejado; acostumar-se a viver da forma exigida pela opção escolhida, adequando-se a ela ou retornando à busca de uma nova alternativa; até, finalmente, definir a nova forma de fazer, passado o desconforto da escolha, de sua vivência, e do adequar-se ao novo ambiente e novos tempos exigidos, de modo a passar do desconforto inicial para a apreciação do resultado final da mudança. É um processo que exige tempo, que a longa pandemia viabilizou.

Isso foi exatamente o que aconteceu, por exemplo, com o trabalhar em casa e com o comprar online, substituindo as formas anteriores de trabalhar e comprar.

O terceiro fator foi o acesso e a disponibilidade das tecnologias digitais, que levou muito rapidamente a uma digitalização quase onipresente. Dados de um estudo da McKinsey mostram que o ecommerce levou oito semanas para aumentar o que antes havia levado dez anos e o trabalho remoto aumentou, somente na ferramenta zoom, de 10 milhões para 200 milhões de usuários nos três meses iniciais da pandemia.

Pode-se dizer que as experiências viabilizadas pela tecnologia digital e pelo tempo suficiente para adaptação e apreciação levaram as pessoas, talvez para sua própria surpresa, a adotar formas de fazer estruturadas em novos comportamentos que se tornaram desejados.

O quarto fator são os benefícios gerados para as partes envolvidas nas mudanças, condição também necessária para que se tenha alguma segurança em afirmar que uma nova forma de fazer se manterá após a pandemia.

Os benefícios são indubitáveis, tanto no trabalho remoto como na compra online: maior conforto para as pessoas, que passam a ter maior controle sobre o próprio tempo; eliminação do deslocamento, trazendo melhor mobilidade para os que precisam se movimentar; e menor poluição e menor impacto negativo sobre as mudanças climáticas.

Um estudo do BCG – Boston Consulting Group quantifica outros benefícios para as empresas do trabalho remoto em uma análise global, como 20% de redução em custo de imóveis e uso de recursos para as empresas; 10 a 15% de redução em turnover; 40% de redução em absenteísmo; e 15 a 40% de aumento em produtividade para colaboradores trabalhando em modelos remotos otimizados.

O quinto fator é que o fazer envolvido na mudança considerada não contribua para definir, com relevância, atributos de identidade das pessoas. Por exemplo, o fato de trabalhar em casa e não em um escritório, ou de comprar online e não em uma loja física, não muda, ou muda muito pouco, a forma como as pessoas são reconhecidas e valorizadas pela sociedade e por si próprias. Se o novo fazer alterar atributos de identidade das pessoas, diminuirá fortemente a probabilidade da mudança se manter no pós pandemia.

Como contraponto à manutenção das mudanças para o trabalho em casa e para a compra online, contrapõe-se a ida a restaurantes e bares — que, a meu ver, serão retomados significativamente após a pandemia, pois encontrar pessoas, estar próximo a grupos sociais e ser reconhecido como parte desses grupos continuarão a ser atributos que contribuem enormemente para a definição da identidade das pessoas.

A estrutura acima apresentada, sistematizada nos fatores de indução e viabilização das mudanças no modo de viver, permite analisar e concluir sobre a permanência das mudanças ocorridas durante a pandemia. Adicionados outros fatores, analisarei, em colunas futuras, outras mudanças ocorridas, buscando identificar aquelas que definirão o assim chamado “novo normal”.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.