Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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Descrição de chapéu sustentabilidade

Da lição aprendida pode nascer a sociedade do bem-estar

Recuperação econômica precisa trazer benefícios para todos e respeito ao meio ambiente

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Ao pensar no ano que termina e na pandemia que estamos atravessando, lembro da frase do modernista Mário de Andrade, em carta escrita a Drummond na década de 1920: “Não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição”.

A pandemia pode bem tomar essa frase emprestada para lembrar que 2020 pode nos servir de lição, não de exemplo. O passado serve de lição para que evitemos continuar a reproduzir as mesmas características nas relações sociais e com o meio ambiente. Não se planta uma sociedade saudável com a semente do descaso social e da destruição ambiental.

Ao nos despedirmos deste turbulento 2020, abrimos espaço à esperança de tempos melhores. E é fundamental olhar para trás e aprender que somente juntos —e cuidadosos com tudo o que é vivo—, poderemos construir uma sociedade do bem-estar para todos.

Em colunas anteriores, procurei mostrar que a pandemia ensinou às pessoas a percepção de interdependência —mostrando que todos dependem de todos— e escancarou a enorme desigualdade social no Brasil. Ficou evidente que ou todos se beneficiam, em medida suficiente, de uma economia que permita a todos uma perspectiva de progresso material e espiritual, com forte respeito ao meio ambiente, ou a longo prazo ninguém se beneficiará.

Esses elementos estão estampados na Pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2020, realizada pelo Instituto Akatu em parceria com a Globescan em junho de 2020. Solicitados a escolher entre duas opções para a recuperação econômica pós-pandemia, 71% dos entrevistados brasileiros preferiram não priorizar a rapidez da recuperação econômica, mas sim cuidar da desigualdade e das mudanças climáticas.

Esse desejo foi confirmado em resposta a outra pergunta: 85% afirmaram que, na medição do progresso, o uso das estatísticas de saúde, sociais e ambientais são tão importantes quanto as econômicas. Apenas 15% optaram por medir o progresso exclusivamente por meio de estatísticas econômicas, como o PIB (Produto Interno Bruto).

Tais constatações demonstram a clara percepção das pessoas quanto à interdependência entre economia, saúde, bem-estar social e sustentabilidade ambiental.

Percentuais que soam mais como um grito de socorro pedem uma sociedade do cuidado e colocam a economia em seu devido lugar: como instrumento de bem-estar, não como um fim em si mesmo. E destacam que a desigualdade, marca antiga da sociedade brasileira, despertou a necessidade moral, em todas as gerações e classes, de criar uma perspectiva social e ambiental que permita uma vida gratificante e de realizações para todos.

Essas revelações se alinham à tendência global de Building Back Better, que afirma que, na recuperação econômica, é imprescindível evitar o “business as usual” e encontrar formas regenerativas para todas as relações sociais e ambientais, gerando uma sociedade humana que tenha a resiliência necessária à manutenção de todas as formas de vida.

A regeneração deve pautar nossos modos de viver, começando com o relacionamento com tudo o que é vivo. Uma forte mudança nos valores sociais nessa direção deve orientar a sociedade em que a vida cria vida como regra —e jamais como exceção.

Isso reduzirá a probabilidade de choques futuros e, se ocorrerem, encontrarão resiliência suficiente na sociedade e no meio ambiente para enfrentá-los com baixo impacto negativo. Os pontos centrais dessa abordagem são valorizar a vida pela vida em si; buscar o bem-estar suficiente, e não mais que o suficiente, para todos; e perseguir uma sociedade do cuidado, onde a inclusão, a aceitação profunda da diversidade e o direito à vida digna sejam lugares-comuns.

Isso implicará que governos e empresas se comprometam, por exemplo, com metas radicais de redução de emissões e de reversão da perda de biodiversidade, manifestando a compreensão desses atores quanto ao seu papel na nova sociedade e no novo contrato social.

Como apontado pelos formuladores de políticas do Banco Mundial, isso significará, entre outras ações, o redesenho dos subsídios, visando diminuir drasticamente a dependência de combustíveis fósseis e aumentar a densidade de renováveis na matriz energética, além de investir significativamente em infraestruturas voltadas a cidades que possam ser sustentáveis, em projetos de remediação ambiental acelerada e em educação para estilos sustentáveis de vida.

A pandemia deixou um recado superlativo de que a destruição ambiental, ao aproximar a fauna silvestre dos homens, põe em risco a própria manutenção da vida humana.

E a crise climática aumenta o risco de repetidas pandemias pela modificação gradual de habitats nativos. Isso é percebido pelas pessoas, como revela a mesma pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2020: sem distinção de gênero, classe social ou geração, 92% dos respondentes brasileiros concordam que a sociedade deve responder à crise do clima com a mesma urgência que deveria responder à pandemia. Reitero: 92%!

É impossível exagerar na importância dos fatores acima descritos na definição de uma nova sociedade. Uma sociedade na qual os atores sociais —governos, empresas, organizações da sociedade civil e cidadãos— sejam solidários na responsabilidade pelo bem-estar de todos e se prestem a refletir sobre a forma como contribuir e agir nessa direção, sob pena de perder sua credibilidade como ator social e, até mesmo, sua licença social para operar.

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