O Relatório de Riscos Globais 2021, produzido anualmente pelo Fórum Econômico Mundial, aponta, entre os principais riscos para a próxima década: 1) eventos climáticos extremos com grandes danos à propriedade, infraestrutura e perda de vidas humanas e 2) falha na mitigação e adaptação às mudanças climáticas por parte de governos e empresas.
Não se pode falar em surpresa. A cada ano, os impactos da crise climática se tornam mais expressivos, salientando a gravidade sistêmica do problema que ameaça não só a estabilidade das economias, mas a própria manutenção da vida no planeta.
Exemplo dessa gravidade é dado por um estudo científico recém-publicado que apresenta a primeira evidência de que as mudanças climáticas teriam tido um papel direto no aparecimento do vírus da Covid-19. O aquecimento global causou crescimento rápido de habitats florestais no sul da China, que são preferidos pelos morcegos portadores do vírus, o que levou a um adicional de 40 espécies, abrigando mais de cem tipos adicionais de coronavírus a ocuparem a província de Yunnan nos últimos anos.
Mesmo com uma diminuição expressiva da atividade econômica pela pandemia levando à queda nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) ao longo de 2020, o ano ficou entre os mais quentes da história, com ondas de calor em 80% dos oceanos. E, com a volta da atividade econômica, as emissões voltarão a crescer e acelerar os riscos da crise climática.
Felizmente, no Fórum Econômico Mundial de janeiro de 2021, grandes empresas e a maior gestora de ativos financeiros do mundo anunciaram compromissos ambiciosos em relação ao clima, mostrando entenderem que o problema é de fato uma emergência para a presente década.
A Nestlé definiu como meta criar soluções mais sustentáveis para tornar todas as suas embalagens recicláveis ou reutilizáveis até 2025. A Braskem estabeleceu compromisso de neutralizar, pela economia circular, suas emissões até 2050.
A Microsoft se comprometeu a capturar, até 2050, o equivalente a todo o carbono por ela emitido e investir US$ 1 bilhão em um fundo para tecnologias de redução, captura e remoção de carbono. A Shell também pretende zerar todas as suas emissões até 2050, incluindo as “emissões de escopo 3”, geradas por clientes que usam os produtos da empresa, e seu CEO declarou que, muito mais que uma petroleira, a empresa é um ator do setor de energia que busca desenvolver fontes alternativas ao petróleo.
Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestora de ativos global, apontou as mudanças climáticas como “um fator determinante nas perspectivas de longo prazo das empresas” e o “principal problema” para os clientes da BlackRock no mundo, decidindo encerrar seus investimentos em produtores de carvão.
Essas iniciativas são exemplo a serem seguidos por todas as companhias na revisão de seus modelos de produção e seus propósitos, colocando a mitigação da crise climática no centro de suas decisões.
Resultados da pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2020, feita pelo Akatu em parceria com a GlobeScan, apontam para a aprovação dessas medidas pelo consumidor: 2 em cada 3 brasileiros priorizam a reestruturação da economia para lidar com as desigualdades e com as mudanças climáticas como mais importante que a recuperação rápida da economia.
A consolidação da crise climática como tema da década vem sendo sustentada pelos principais governos do mundo. Biden iniciou seu mandato anulando a decisão de Trump de tirar os EUA do Acordo de Paris. Incluiu as mudanças climáticas no centro da política externa e estabeleceu um plano climático que prevê investimentos de US$ 2 trilhões em infraestrutura de energia verde, gerando 10 milhões de empregos relacionados à energia limpa e à neutralização das emissões do país até 2050.
Do outro lado do mundo, a União Europeia se comprometeu a reduzir em 55% as emissões de GEE até 2030 e mesmo a China, nação mais poluidora do mundo, apresentou a meta de alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060.
Ainda que o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, tenha declarado na reunião do Fórum Mundial Econômico que o Brasil está comprometido com a agenda ambiental internacional e com a meta do Acordo de Paris de zerar, até 2060, a emissão de GEE do país, vivemos um retrocesso no combate à crise climática —só na Amazônia, houve um aumento de 9,5% da taxa de desmatamento em 2020 em relação ao ano anterior, sem planos nacionais expressivos para barrar esse avanço.
O combate à crise climática depende primordialmente de capital político, que se cria com a sociedade percebendo seu papel de pressionar governos e empresas para que deem a devida atenção a uma transição segura para uma economia de baixo carbono. O consumidor brasileiro afirma com clareza desejar isso, sendo que esse esforço, para o qual o Brasil está extraordinariamente bem posicionado, pode gerar novos empregos e compensar parte dos perdidos durante a pandemia.
Concordo com o que afirmou Joe Biden ao anunciar seu pacote climático: “Já esperamos muito para lidar com a crise climática. Nós a vemos e a sentimos. É hora de agir”. Na verdade, passamos da hora. O bom é que muitos estão agindo. Vamos valorizá-los e celebrá-los a cada momento.
Quero cumprimentar a Folha de S.Paulo pelos 100 anos de jornalismo da melhor qualidade, sempre contribuindo de forma exemplar para a democracia e para o bem comum. Como exemplo, já em janeiro de 1978, quando quase nada se falava sobre mudanças climáticas, este jornal o fez por meio de artigo do jornalista José Reis, alertando autoridades e comunidade científica do país para o fenômeno e para a necessidade de esforços que revertessem os impactos do aquecimento global, como a elevação do nível dos oceanos e as dificuldades para a produção de alimentos.
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