Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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Descrição de chapéu alimentação

Um desperdício que diz respeito a todos nós

Combate à perda de alimentos deve estar no centro das nossas ações

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O UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) divulgou recentemente o Índice de Desperdício de Alimentos 2021. Os dados do relatório revelam um panorama extremamente perturbador, sobretudo em um contexto no qual a fome atinge cerca de 690 milhões de pessoas no mundo e no qual o Brasil volta a se destacar no tema: mais da metade dos lares convivem com algum grau de insegurança alimentar e 19 milhões de pessoas (quase 10% da população) vivem uma situação de insegurança alimentar grave —isto é, passam fome.

Segundo o referido índice, estima-se que 17% da produção global de alimentos foi desperdiçada em 2019. Ou seja, foram perdidas 931 milhões de toneladas de alimentos que tinham valor e que poderiam satisfazer as necessidades nutricionais de pelo menos 380 milhões de pessoas, mais da metade das que passam fome no mundo.

A esse gravíssimo cenário social, soma-se o econômico: o volume de alimentos desperdiçados representa uma perda anual global da ordem dos US$ 940 bilhões; e o ambiental: esse montante de alimentos não consumidos responde por entre 8 e 10% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).

De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), se o desperdício de alimentos fosse concentrado em um único país, este seria o terceiro maior emissor de GEE, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Em outras palavras, o impacto negativo do desperdício de alimentos é de enorme relevância no agravamento da crise climática que, ao lado da pandemia, representa uma das questões mais urgentes que o mundo enfrenta.

Para o cálculo das emissões decorrentes do total desperdiçado, foi considerada a pegada de carbono de cada alimento, compreendendo a quantidade de GEE emitida ao longo de seu ciclo de vida. Isso engloba as fases de produção, processamento, transporte, beneficiamento, venda, consumo e descarte, com a consequente geração de resíduos.

É importante ressaltar que as fases finais —venda e consumo— apresentam uma maior pegada de carbono, pois quanto mais adiante na cadeia produtiva ocorre o desperdício, mais intensa é a emissão. Por exemplo, um tomate estragado na fase de colheita terá menor pegada de carbono do que um molho de tomate estragado e jogado no lixo, cujas emissões de GEE acumulam o que foi gerado na colheita, no transporte, no beneficiamento e ao longo de toda cadeia de abastecimento.

Além disso, a maior parte do desperdício de alimentos se dá justamente nas fases finais de seu ciclo de vida: das 931 milhões de toneladas perdidas em 2019, 61% (quase 570 milhões de toneladas) foram desperdiçadas em residências; 26% em serviços relacionados à alimentação, tais como restaurantes e hotéis; e 13% em comércios.

Com dados de 54 países, o Índice de Desperdício de Alimentos 2021 também revela uma média global de 74 kg de alimentos desperdiçados por pessoa a cada ano e que países de renda alta, média alta e média baixa têm níveis bastante similares —o dos Estados Unidos é de 59 kg por pessoa/ano, enquanto o da Holanda é de 50 kg e o do Brasil é de 60 kg. Isso mostra que o problema é global e exige o envolvimento de todos.

Ao se pensar na redução desse desperdício, é preciso rever práticas, muitas delas usadas há tempos. Nos comércios, por exemplo, parte do desperdício é resultado de que apenas alimentos com determinado padrão estético vão para as gôndolas, enquanto os fora do padrão são descartados. Há também falhas associadas ao transporte entre produtor e varejista, como falta de refrigeração nos caminhões, pouco cuidado na carga e descarga e os trajetos muito longos.

Dentro das casas, as principais causas do desperdício se dividem entre (a) culturais, como a crença de que a abundância é essencial e a ideia de que é melhor sobrar do que faltar; e (b) ligadas aos hábitos, como a preferência por comida fresca à mesa e por compras em grandes quantidades para manter a despensa abastecida.

São traços culturais com raízes profundas e, por isso, difíceis de mudar, exigindo que quem tem liderança de opinião comece a fazer diferente e a elogiar os que mudam a forma de fazer relativas aos alimentos. Novelas, nas TVs, por exemplo, podem influenciar nessa direção.

Por outro lado, falta aos governos colocar a redução do desperdício de alimentos no centro do desenvolvimento de políticas. Seja trabalhando aspectos ligados à melhoria do transporte, seja promovendo medidas como a proibição do descarte de alimentos, incentivando a doação ou a compostagem, como já ocorre na França.

As empresas também precisam estabelecer conexões que viabilizem encontrar meios rápidos para a venda ou a doação de alimentos que estão próximos ao vencimento para bancos de alimentos e organizações que trabalham pela garantia da segurança alimentar, além de incentivar a compra de alimentos fora do padrão por parte dos consumidores.

Estes, por sua vez, têm papel fundamental na redução do desperdício doméstico a partir da adoção de hábitos simples de consumo consciente que, se praticados por muita gente e por um longo período de tempo, dão uma enorme contribuição para mudar o contexto atual. Eles incluem, por exemplo, o uso integral de alimentos, a compra de frutas e vegetais fora do padrão estético, o planejamento das refeições para comprar somente o necessário, o reaproveitamento de sobras e a compostagem dos restos de alimentos.

Adicionalmente, em nível global, é imprescindível o esforço de monitorar dados consistentes sobre as cadeias de produção, o varejo e o consumo, visto que análises e decisões baseadas em evidências são um passo fundamental para permitir que sejam viabilizadas estratégias coordenadas de redução de desperdícios entre todos esses atores sociais.

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