Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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A crise da biodiversidade no debate global

Problema não é apenas ambiental: destruição afeta o abastecimento de alimentos e o desenvolvimento econômico

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Para começar, vamos detalhar o problema da "crise da biodiversidade": estima-se que 23% da área terrestre global está degradada; mais de 85% das zonas úmidas desapareceram desde 1970; 32 milhões de hectares (o equivalente à área do estado do Maranhão) de floresta primária ou em recuperação nos trópicos foram perdidos entre 2010 e 2015; e cerca de 1 milhão de espécies estão ameaçadas de extinção.

Estes dados do IPBES (plataforma intergovernamental sobre biodiversidade e serviços ecossistêmicos, em inglês) demonstram a enorme magnitude dos prejuízos das ações humanas para a biodiversidade do planeta ao longo dos anos.

A principal causa dessa crise é a destruição de habitats, que, por sua vez, tem por trás cinco grandes impulsionadores: (1) as mudanças no uso da terra, por exemplo a derrubada de florestas para criação de gado e cultivos; (2) a exploração excessiva de espécies, como na pesca predatória e no comércio de animais selvagens; (3) o aquecimento global levando às mudanças climáticas e a eventos climáticos extremos, como secas e inundações; (4) a poluição, como a associada aos resíduos industriais; e (5) as espécies invasoras, devido, por exemplo, à competição de habitats restantes.

Coleta de sementes de açaí para restauro de área de vegetação degradada na Chapada dos Veadeiros (GO) - Lalo de Almeida - 8.dez.2021/Folhapress

Ao observar esses fatores e os impactos ambientais gerados ao longo do ciclo de vida de um produto ficam evidentes as ligações entre os padrões predominantes de consumo e a crise da biodiversidade. Não só a extração de recursos naturais e o cultivo de matérias-primas, mas a construção da infraestrutura e dos insumos necessários à produção e ao transporte contribuem diretamente para a perda de serviços ecossistêmicos.

Considere-se, por exemplo, o processamento de roupas novas, que requer cerca de 8.000 produtos químicos, contaminando aproximadamente 20% de todos os lagos, rios e outras fontes de água doce do planeta. Ou a agricultura intensiva, cujo uso excessivo de pesticidas sintéticos causou um declínio drástico das populações de abelhas nas últimas décadas, sendo que 3/4 das principais culturas alimentares dependem de polinizadores como as abelhas.

Falar de proteção e restauração da biodiversidade não é, portanto, uma mera preocupação ambiental. Sua destruição afeta o abastecimento de alimentos, o desenvolvimento econômico e, em uma análise mais profunda e necessária, o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Indústrias e empresas de todos os setores têm um importante papel na reversão do atual cenário e na adoção de ações imperativas que precisam ser tomadas de imediato. Especialmente no Brasil, que abriga entre 15% e 20% da diversidade biológica do mundo, com mais de 120 mil espécies de invertebrados, 9.000 vertebrados e mais de 4.000 espécies de plantas.

Para incentivar o monitoramento dos impactos das cadeias produtivas na biodiversidade, a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês) desenvolveu uma diretriz voltada a empresas. O documento propõe quatro etapas para identificar as principais pressões de um negócio sobre a biodiversidade, bem como espécies e habitats em que ele deve se concentrar. Também traz ferramentas para auxiliar na definição de estratégias, metas e indicadores para agir, avaliar e relatar seu desempenho em relação à biodiversidade.

A conservação da biodiversidade, aliás, não costuma ganhar destaque na comunicação sobre produção e consumo sustentáveis, ainda que o valor da natureza e a dependência do bem-estar humano em relação a ecossistemas saudáveis tenham sido especialmente enfatizados nestes anos de pandemia. O foco recai mais em argumentos relacionados aos impactos nas mudanças climáticas ou, ainda, sobre o comércio justo.

Isso é notório ao analisar o que as empresas comunicam aos seus stakeholders. É imprescindível que as empresas que desejam estimular estilos de vida mais sustentáveis atuem como promotoras da conservação da biodiversidade. Elas podem fazer isso por meio da comunicação, informando as relações entre produção, consumo e biodiversidade, além de divulgar com transparência os impactos de sua própria cadeia e os esforços empregados para mitigá-los.

Não é uma tarefa simples. Por trabalhar há duas décadas a comunicação para a sensibilização e a mobilização para um consumo mais consciente, o Instituto Akatu atua em grupos que estudam e desenvolvem ferramentas voltadas justamente a melhorar o fornecimento de informações de sustentabilidade aos consumidores. O Grupo de Trabalho internacional sobre Comunicação da Biodiversidade, que faz parte do Consumer Information Programme ​​(CI-SCP), da One Planet Network, e do qual o Akatu é membro, lançou no início de abril um kit de ferramentas digital para auxiliar as empresas a construírem uma comunicação mais eficaz quando o tema é biodiversidade.

O objetivo é muni-las de dados, exemplos e informações capazes de engajá-las em ações e na disseminação de informações confiáveis que possam educar e levar à promoção de mudanças de comportamento, das práticas de negócios e das políticas que buscam soluções mais sustentáveis, de forma a proteger ou restaurar a biodiversidade.

Não por acaso, em 2021 a ONU realizou a primeira etapa da Conferência de Biodiversidade, em que ministros e chefes das delegações se comprometeram a negociar uma estrutura global de biodiversidade efetiva. Essa estrutura deve ser acordada ainda em 2022, na segunda parte da conferência. Pois agir para a conservação da biodiversidade é urgente, bem como educar para desconstruir a percepção de que ela existe para nos servir.

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