Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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O papel do indivíduo na mitigação da crise climática

Entenda o conceito de orçamento climático do ponto de vista individual e saiba como adotar hábitos de consumo de baixo carbono

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Cada novo relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU) mostra que os impactos da crise climática se tornam mais e mais intensos e prejudicam em escala muito maior as populações vulneráveis. Além de explicar as causas da crise, o mais recente dos documentos, lançado em abril, foca nos caminhos para a sua mitigação. É neste ponto que governos, empresas e sociedade devem se debruçar.

Segundo o IPCC, tendo como parâmetro a meta do Acordo de Paris de aumento máximo da temperatura em 1,5°C em relação ao período pré-industrial, as emissões precisam parar de crescer em 2025 —ou seja, em três anos— e depois cair 43% até 2030 —em sete anos—, em comparação aos níveis de 2019.

Treinamento de combate a incêndio em Poconé, na região do Pantanal - Lalo de Almeida - 24.jun.2021/Folhapress

Para isso ser possível, o relatório do IPCC propõe que governos, setor privado e sociedade civil priorizem as seguintes ações:

1. Expandir o uso de energia limpa: toda a geração de eletricidade deve ser de baixo carbono até 2050, com as redes sendo alimentadas principalmente por fontes renováveis;

2. Descarbonizar a indústria: inovar para melhorar a eficiência energética, reduzir a demanda de materiais em geral (economia circular), implementar tecnologias de captura e armazenamento de carbono e fazer a transição para processos de baixo carbono;

3. Incentivar construções verdes: promover construções zero carbono, com aquecimento elétrico, eletrodomésticos e iluminação mais eficientes e uso circular de materiais, além de adaptar construções antigas para que tenham essas tecnologias;

4. Redesenhar as cidades para viabilizar o transporte de zero e baixo carbono: investir em cidades mais compactas e com opções de eletromobilidade, alternativas de biocombustíveis ou combustíveis sintéticos;

5. Conservar a natureza e melhorar os sistemas alimentares: proteger e restaurar os ecossistemas e aprimorar práticas de manejo sustentável para reduzir as emissões na produção de alimentos, diminuir o desperdício e fomentar a transição para dietas mais sustentáveis.

Quando falamos do papel da sociedade civil para mitigar os impactos negativos da crise climática, estamos nos referindo, de um modo geral, à necessidade de mudança de estilos de vida. É claro que políticas públicas e a oferta de produtos e serviços mais sustentáveis são fundamentais para encorajar essas mudanças e incentivar cada indivíduo a adotar alternativas de menor impacto. E é claro também que é preciso considerar os diferentes contextos em que os indivíduos estão inseridos.

Ainda segundo o relatório do IPCC, entre 36% e 45% das emissões totais de gases de efeito estufa são provenientes das famílias com renda mais alta (os 10% mais ricos do mundo), enquanto entre 13% e 15% das emissões são dos 50% mais pobres.

Ou seja, as contribuições principais devem vir das famílias mais ricas, que poderiam reduzir as emissões entre 40% e 70% até 2050 mudando seus padrões de consumo. O próprio relatório exemplifica o que fazer: caminhar ou andar de bicicleta, evitar voos longos, mudar para dietas vegetais, evitar o desperdício de alimentos e usar a energia de maneira mais eficiente estão entre as medidas mais eficazes.

Com a finalidade de tornar mais palpável o cenário em que estamos e o esforço necessário para mitigar a crise já em curso, é útil se referir ao conceito de orçamento climático. Em termos gerais, ele indica a quantidade de gases de efeito estufa que ainda pode ser emitida para que se mantenha abaixo de um certo nível de aquecimento global.

O grande desafio, porém, é estimar o orçamento restante com base no limite de 1,5°C do Acordo de Paris, uma vez que os diversos grupos de pesquisadores utilizam premissas diferentes para fazer o cálculo. A partir dos fatores mais comumente aceitos, os cálculos indicam que, para que a humanidade tenha 50% de chance de manter o aquecimento abaixo de 1,5°C, é preciso limitar a emissão a não mais do que 580 GtCO2e contabilizando desde 2018, o que significa que até 2033 a humanidade irá estourar esse orçamento, se mantivermos os níveis atuais de emissões.

Uma análise buscou trazer o conceito de orçamento de carbono para a esfera do indivíduo, estimando qual seria o orçamento de carbono de uma pessoa ao longo de sua vida, de acordo com o ano do seu nascimento e a sua nacionalidade. Como resultado geral, o estudo concluiu que uma criança de hoje teria que emitir oito vezes menos que um indivíduo nascido em 1950.

O orçamento de carbono ao longo da vida foi calculado adicionando as emissões per capita históricas e futuras de um determinado local para cada ano que se espera que um indivíduo viva, assumindo uma expectativa de vida de 85 anos. Para exemplificar: a pegada de carbono ao longo da vida de uma pessoa nascida no ano 2000 na Índia seria a soma das emissões per capita históricas na Índia a partir de 2000 mais as emissões per capita projetadas na Índia até 2085.

Assim, uma pessoa nascida nos Estados Unidos teria um orçamento de carbono 15 vezes maior do que alguém nascido na Índia. Em geral, as emissões per capita são bem mais altas em países desenvolvidos e mais ricos, indicando que a redução das emissões precisará ser proporcionalmente maior nesses lugares.

Os cálculos para o Brasil apontam que uma pessoa nascida no país em 2000 tem um orçamento de carbono de 9 toneladas, contra 71 toneladas de um brasileiro nascido em 1980 e 103 toneladas de um brasileiro nascido em 1960. Sendo que as grandes diferenças entre gerações passadas e atuais não é uma particularidade do Brasil, estando presentes em todo o mundo.

Vale ressaltar que essa abordagem considera emissões distribuídas igualmente em toda a população, mas sabemos, por exemplo, que as crianças são responsáveis por menos emissões que os adultos e que diferentes hábitos diários respondem a diferentes quantidades de emissões.

O importante é que cada indivíduo se perceba como um agente de transformação.

É essencial criar a consciência de que é possível diminuir os impactos negativos da crise climática a partir de mudanças em seu próprio estilo de vida. Cada pessoa pode entender melhor o impacto de seus hábitos cotidianos em calculadoras de carbono disponíveis gratuitamente, como a da Iniciativa Verde e a do WWF.

Pode, ainda, começar pela orientação do próprio IPCC: repensando o seu consumo de energia, investindo em construções verdes, priorizando o transporte de baixo carbono, apoiando instituições que preservam ecossistemas e adotando dietas mais sustentáveis, buscando, dessa forma, se limitar ao orçamento de carbono correspondente à data de seu nascimento e se caracterizando por uma oportunidade cotidiana de contribuir para o combate da crise climática.

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