Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Descrição de chapéu

O constituinte é alfabetizado?

Expressão 'ninguém será considerado culpado' deixou espaço para interpretações

Estátua da Justiça, em frente ao STF, em Brasília; prisão após condenação em segunda instância poderá voltar a ser discutida na corte
Estátua da Justiça, em frente ao STF, em Brasília; prisão após condenação em segunda instância poderá voltar a ser discutida na corte - Sergio Lima - 21.set.2010/Folhapress

Nem sempre é verdade, mas devemos ter como pressuposto que o constituinte é medianamente inteligente e devidamente alfabetizado. Isso implica que, se ele escreveu A, não quis dizer B.

Outro ponto importante no que diz respeito a constituições e leis é que um pouco de ambiguidade é necessária. O legislador deve tentar escrever as normas da forma mais precisa que conseguir, mas é a ambiguidade, compreendida como um espaço para acomodações políticas e para a própria mudança nos costumes, que assegura a estabilidade das regras.

Um documento como a Constituição dos EUA só sobreviveu por mais de dois séculos porque está repleto de lacunas que permitiram a políticos e a juízes encontrarem interpretações plausíveis para desafios com os quais o constituinte do século 18 não poderia nem sequer ter sonhado.

Faço essas considerações a propósito da polêmica em torno da prisão após condenação em segunda instância, que poderá voltar a ser discutida no STF. Também acho que juízes não podem se sair com interpretações que vão contra a letra da Constituição. Mas o que exatamente diz a Carta sobre isso? O inciso LVII do artigo 5º reza: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Isso implica mesmo, como querem os ultragarantistas, que ninguém pode ser preso até que não caiba recurso? Ora, se o constituinte quisesse assegurar essa leitura, teria escrito "ninguém será preso" ou "ninguém começará a cumprir pena" até o trânsito em julgado. Como se valeu da mais ambígua expressão ninguém será considerado culpado, deixou espaço para outras interpretações.

Acho que o Brasil não pode se dar ao luxo de manter jabuticabas judiciais. Se a maioria dos países democráticos prende na segunda instância sem violar o princípio da presunção de inocência, deveríamos acatar tal lição, sem pretensão de inventar uma roda mais redonda que as demais.

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