A mudança cultural pode ser rápida. A Irlanda, que disputa com a Polônia e com Malta o título de país mais católico da Europa, inserira em sua Constituição, em 1983, um dispositivo de banimento do aborto que era considerado um dos mais restritivos do mundo. A norma equiparava a vida do embrião à da mãe. A pena para quem praticasse a interrupção voluntária da gravidez era de até 14 anos.
Bastaram, porém, algumas décadas de inserção da Irlanda no ambiente mais cosmopolita da União Europeia, que fomentou significativamente o intercâmbio de pessoas e ideias, para as interpretações estritas do catolicismo darem lugar a posicionamentos mais tolerantes em matéria de moral. Três anos depois de aprovar em referendo o casamento gay, os irlandeses decidiram agora, pela expressiva maioria de 66%, legalizar o aborto.
O governo deve apresentar em breve um projeto de lei que, uma vez aprovado, permitirá que as irlandesas exerçam a soberania sobre seus próprios corpos, como já ocorre em quase toda a Europa.
Católicos ou qualquer outro grupo não precisam, é óbvio, mudar de opinião. Eles são totalmente livres para continuar levando até o fim suas gravidezes e condenando moralmente o aborto nos termos em que preferirem. Precisam, porém, aceitar que o melhor jeito de viver em paz em sociedades multiculturais como estão se tornando as nossas é conceder aos diferentes grupos o máximo de autonomia para viver segundo as suas próprias convicções.
Apenas práticas que levam objetivamente a um mau funcionamento da sociedade devem ser banidas.
Se existe mesmo um Deus que condena o aborto e se ele tem uma fração dos poderes que os religiosos normalmente lhe atribuem, saberá punir os que violaram seus mandamentos e recompensar os que os observaram. Não há nenhum motivo para o fiel tentar impor seus padrões àqueles que não partilham de suas crenças.
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