Todos sabemos que um dia morreremos, assim como aqueles a quem amamos, e justamente por isso evitamos falar no assunto. Pior, atribuímos ao princípio de proteção à vida tamanha aura de sacralidade que acabamos transformando algumas mortes, uma inevitabilidade do destino, num suplício.
Casos como o do cientista inglês David Goodall, que viajou à Suíça para poder valer-se de um serviço de suicídio assistido, são úteis por fomentar o debate sobre a eutanásia e outros temas tanatológicos.
Goodall, que morreu na quinta-feira (10), não sofria de nenhuma doença grave, mas tinha 104 anos e as limitações impostas pela idade faziam com que ele já não tivesse vontade de viver. Pode se concordar ou não com a decisão do provecto cientista, mas não vejo como opor-se à ideia de que ele é a parte legítima para fazer a escolha.
Paradoxalmente, são pouquíssimos os países cujas legislações autorizam uma pessoa saudável a obter ajuda médica para morrer. Um número um pouco menos reduzido permite esse tipo de auxílio no caso de doentes terminais.
O fato de não haver previsão legal não impede que médicos ajudem pessoas a morrer em todos os cantos do mundo. A diferença é que eles precisam recorrer às zonas cinzentas, como suspender tratamentos que poderiam prolongar a vida do paciente ou administrar altas doses de analgésicos, que, no limite, levam a uma parada respiratória.
O problema com essas soluções informais é que elas reduzem a autonomia do paciente, que deveria ter o direito de articular suas escolhas, e acrescentam uma boa dose de hipocrisia à morte.
O resultado prático pode chegar à beira do ridículo. Mesmo no Brasil, é legal deixar que um paciente morra sem ar ou de inanição descontinuando um tratamento, mas é terminantemente proibido ministrar-lhe uma droga que produziria o mesmo efeito com muito mais conforto. É levar o essencialismo longe demais.
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