Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman

Intenção e resultado

Punir em excesso pode ser socialmente tão desestruturante quanto deixar de punir

Como sempre, Contardo Calligaris levantou questões interessantíssimas em sua coluna da última quinta (28), na qual sustenta que a conduta dos torcedores brasileiros que postaram vídeos em que ridicularizam russos não se distingue da do skinhead que massacra um travesti nem da dos jovens de Brasília que atearam fogo a um índio nos anos 90. “En passant”, e com a elegância usual, ele me recrimina por ter, em texto publicado no domingo (24), minimizado o “erro” dos torcedores.

Respondendo a uma pergunta que o próprio Contardo se fez na coluna, penso, sim, que ele exagera, tanto nas comparações como na gravidade que conferiu ao episódio. Não discordo da avaliação de que a atitude dos torcedores contém o germe dos piores fascismos, mas, se há uma esfera em que não podemos perder a cabeça, é a de atribuir responsabilidades e distribuir punições. E vale lembrar aqui que o linchamento moral a que os perpetradores que aparecem nos vídeos estão sendo submetidos já é uma forma de sanção.

Punir em excesso pode ser socialmente tão desestruturante quanto deixar de punir. Se o castigo vem de qualquer jeito, não há motivo para eu não trapacear. Não é por outra razão que os sistemas de justiça penal se baseiam numa matriz que leva em conta a intenção do réu no instante do crime e o resultado de sua ação.

Se considerássemos só o resultado, teríamos de punir o motorista que atropela o pedestre sem querer com o mesmo rigor que castigamos o assassino que tira a vida da vítima para roubar-lhe a carteira. Se considerássemos só a intenção, o mundo teria de ser uma imensa cadeia, pois todos já desejamos fazer coisas horríveis com quem nos chateou.

Minha impressão é a de que meu amigo Contardo, ao enfatizar demais o aspecto moral do comportamento dos torcedores e ignorar que os danos materiais causados às vítimas foram pequenos, acaba abrindo o flanco para as cruzadas moralistas, que são uma face dos fascismos que queríamos evitar.

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