Recep Tayyip Erdogan venceu a eleição presidencial na Turquia sem necessidade de submeter-se a um segundo turno e ainda conseguiu que seu partido, o AK, obtivesse maioria no pleito legislativo.
É surpreendente a trajetória do governante turco. Até alguns anos atrás, Erdogan e o AK eram apontados como exemplo de que uma liderança e um partido islâmico podem conviver bem com a democracia. Hoje, ele é descrito como um autocrata a poucos passos de converter-se num ditador. O que deu errado na Turquia?
Muitas coisas, mas eu hesitaria em cravar que existe uma incompatibilidade irredutível entre islã e democracia. Quer dizer, no plano dos fundamentos, ela existe mesmo. Nenhuma religião missionária e com pretensões de universalidade, como o são o islamismo e o catolicismo, é plenamente compatível com as liberdades individuais, inclusive a religiosa, que constituem o núcleo das democracias modernas. Mas essa é uma contradição que pode ser administrada pela política, como ocorreu no Ocidente ao longo dos últimos séculos.
Não é difícil imaginar uma realidade alternativa na qual, mudando poucas coisas, a Turquia não tivesse se desviado tanto do bom caminho. Ali, o AK teria seguido uma rota semelhante à percorrida pelas democracias cristãs na Europa. Nesse universo paralelo, a Turquia poderia até integrar a UE, em vez de perfilar-se com Estados autoritários como a Rússia de Putin.
Não sei, porém, se esse seria um cenário que os religiosos mais entusiasmados aplaudiriam. O que a experiência europeia mostra é que a constante melhoria das condições materiais de vida e a normalização das liberdades democráticas muitas vezes levam não à morte da religião, mas a seu esvaziamento. O fenômeno é bem visível na Suécia e na Dinamarca, onde as pessoas continuam se declarando cristãs, mas frequentam igrejas só para assistir a casamentos e funerais. Menos de 20% creem num deus pessoal.
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