Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman

Discussão esquisita

Linha de raciocínio sobre patente de remédio para hepatite C parte de falsa premissa

Ponto de orientação sobre hepatite C na avenida Paulista, no centro paulistano
Ponto de orientação sobre hepatite C na avenida Paulista, no centro paulistano - Marcelo Chello/CJPress/Folhapress

Como tantas outras coisas no Brasil de hoje, ficou meio esquisita a discussão sobre a patente do medicamento sofosbuvir, usado contra a hepatite C.

É com base na eficácia da droga que muitos defendem que o Brasil não conceda a proteção patentária à farmacêutica Gilead. Como o sofosbuvir é significativamente melhor do que outros antivirais —ele, em associação com um segundo fármaco, apresenta um índice de cura de mais de 95% e causa menos efeitos colaterais—, seria um crime não introduzi-lo na rede pública. Estima-se que a hepatite C acometa 700 mil brasileiros. A fabricação local de um genérico do sofosbuvir permitiria ao SUS economizar R$ 1,1 bilhão só em 2019.

Há dois problemas com essa linha de raciocínio. O primeiro é que ela parte de uma falsa premissa. Conceder a patente ao laboratório não implica que o país fique de mãos atadas para atuar na saúde pública. Dar ou não a proteção patentária deveria ser uma discussão puramente técnica. Aí, se as autoridades julgarem que há uma emergência sanitária, elas podem, totalmente dentro da lei, ordenar o licenciamento compulsório da droga, isto é, quebrar a patente. Em geral, nem é necessário, porque antes disso os laboratórios negociam descontos importantes.

O segundo é que o argumento é forte demais. Se o imperativo de salvar mais vidas ao menor custo para o Estado é absoluto, o Brasil não deveria reconhecer nenhuma patente, já que, em tese, seria sempre mais barato não pagar o licenciamento. Não fazemos isso porque o país entende que a patente é uma forma legítima de estimular a inovação.

No caso específico dos remédios, o sistema de patentes está longe de perfeito. Ele introduz uma série de vieses complicados. Ainda assim, no longo prazo, é melhor para o Brasil e para o mundo ter indústrias se empenhando em desenvolver novos medicamentos do que depender só de universidades e cientistas filantropos.

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