Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman

Neofrankenstein

Acompanho parte das críticas à modificação genética de bebês, e não vejo problema em usá-la para aprimorar qualidades

O chinês He Jiankui chocou a comunidade científica planetária ao anunciar que trouxe ao mundo um casal de gêmeas com seus genes alterados, através da técnica de edição de DNA Crispr-Cas9, para torná-las resistentes ao HIV. Os próprios cientistas chineses não gostaram. Mais de cem deles assinaram uma carta em que se queixam do colega, afirmando que ele abriu a caixa de Pandora. Questionam tanto a segurança como a ética do procedimento.

Como Jiankui não publicou em nenhum periódico um relato científico de seu experimento, não sabemos se obteve êxito e nem mesmo se a história é real (já vimos fraudes em situações parecidas). Mas, supondo que o Jiankui tenha feito o que diz, qual é o problema?

Acompanho parte das críticas. Nossa ignorância sobre possíveis efeitos pliotrópicos da edição genética ainda é muito grande para que se faça esse tipo de experimento com um nível razoável de segurança. Tampouco sabemos se todas as salvaguardas éticas foram observadas por Jiankui ao obter a autorização dos pais para o procedimento.

Há, contudo, uma segunda família de críticas da qual discordo. Não creio que a intervenção genética precise estar limitada à cura de doenças. Não vejo em princípio problema em utilizá-la para aprimorar a inteligência ou escolher características físicas de filhos.

Embriões geneticamente modificados sendo manuseados
Embriões geneticamente modificados sendo manuseados - Mark Schiefelbein/AP

Pelo menos desde Mary Shelley e seu “Frankenstein”, cultiva-se o mito romântico de que o homem não tem o direito de “desafiar a natureza” ou de “brincar de Deus”, como se houvesse uma moralidade intrínseca inscrita naquilo que é natural. Isso é pensamento religioso, não científico.

Uma forma de descrever o processo civilizatório é justamente o sucesso cada vez maior que obtivemos em dominar a natureza, aliviando-nos de suas tiranias. Foi assim com a agricultura, o vestuário, as técnicas de construção, a medicina. Não há motivo para nos intimidarmos diante dos genes.

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