Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman

Saudades da Idade Média

Numa análise lógica, burlar o sistema de cotas raciais é um crime quase impossível

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A Idade Média não foi o período mais efervescente nem o mais brilhante da história, mas o pessoal das universidades daquela época ao menos não se perdia no beabá da lógica. Acadêmicos medievais que seguiam o método escolástico jamais cometeriam alguns dos erros que seus congêneres contemporâneos parecem perseguir com afinco.

Falo da decisão da Unesp de expulsar 27 estudantes que, segundo a universidade, teriam burlado o sistema de cotas raciais para entrar na instituição. O problema é que, numa análise lógica, esse é um crime quase impossível de cometer.

Ora, o que os editais da Unesp, a exemplo de toda a legislação que regula cotas, exigem do candidato que concorre pelo sistema de reserva de vagas é uma autodeclaração de que ele é preto, pardo ou indígena —e não que ele efetivamente seja preto, pardo ou indígena.

Vestibulandos em campus da Unesp em Franca, interior paulista
Vestibulandos em campus da Unesp em Franca, interior paulista - Igor do Vale - 15.nov.17/Folhapress

A distinção pode parecer irrelevante, mas não é. Ela muda o “fato gerador” do que é verdadeiro ou falso. Se Odin, o principal deus do panteão nórdico, vier a Midgard e preencher um documento no qual diz que é preto, ele terá se autodeclarado preto —e será verdade que se autodeclarou preto independentemente de suas características fenotípicas. Só haveria fraude se alguém que não Odin tivesse assinado a papelada em seu lugar —e sem uma procuração válida.

Como, então, fazer para que ninguém abuse do sistema? Em tese, é simples. Precisaríamos substituir a autodeclaração por uma exigência essencialista, que cobrasse dos candidatos ao benefício que sejam de fato pretos, pardos ou indígenas —e não que apenas digam que são.

E por que a lei não faz isso? Porque, neste caso, seria preciso apresentar definições e, num país altamente miscigenado como o Brasil, é quase impossível estabelecer a priori critérios objetivos e justos para determinar quem é pardo e quem não é. Diante da dificuldade, nossos legisladores e juízes preferiram apostar na inconsistência.

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