As patinetes para aluguel que invadiram São Paulo estão causando transtornos, o que exigia da prefeitura uma regulamentação da atividade. Minha impressão, porém, é a de que o decreto com a regulação provisória divulgado nesta semana extrapola nas exigências, esmigalha o direito e ignora a ciência.
Fiquemos na obrigatoriedade do uso de capacete. O município não teria competência para estabelecer essa regra nem se a tivesse transformado em lei, já que só a União pode legislar sobre trânsito (Constituição, art. 22, XI). Quando tenta impor a norma através de mero decreto, viola não só a Carta como também todos os compêndios de direito conhecidos.
Ok, dirá o leitor, isso diz respeito à forma. No mérito, é bom que patinetistas ponham o capacete. Não há dúvida de que quem usa o protetor craniano está mais seguro do que quem não o usa. Mas, por mais tentador que seja transformar esse achado empírico em lei, fazê-lo pode ser contraproducente.
Não encontrei trabalhos específicos sobre patinetes, mas, se aceitarmos que a bicicleta é um bom “proxy”, então há alguma evidência de que leis que obrigam o uso de capacete podem causar mais mal do que bem.
É contraintuitivo, mas o paradoxo se dissolve quando ampliamos a análise para considerar não só o risco de trauma severo na eventualidade de um acidente mas também o número de pessoas que deixa de usar o meio de transporte quando o capacete passa a ser exigido. E, quando isso ocorre, é preciso pôr na conta a perda dos benefícios para a saúde que o exercício proporciona.
Uma metanálise de Piet de Jong concluiu que os efeitos da obrigatoriedade são largamente negativos onde andar de bicicleta é seguro e podem ser levemente positivos apenas onde o ciclismo urbano é extremamente perigoso.
A moral da história é que nem todas as obviedades devem ser transformadas em lei. É bom checar com a Constituição e a ciência antes.
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