Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman

Vida e obra

Causou controvérsia a decisão de homenagear Elizabeth Bishop na próxima Flip

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A decisão de homenagear Elizabeth Bishop na próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) causou controvérsia. As restrições à poetisa americana, que viveu no Brasil entre 1951 e 1971, não dizem respeito à incontestável qualidade de seus versos, mas ao fato de ela ter apoiado o golpe de 64 e ter feito observações politicamente incorretas sobre o país e a intelligentsia local.

Se a Flip está em busca de um autor relevante para destacar, a escolha de Bishop faz sentido; se procura um modelo de virtude pessoal e sabedoria cívica, aí a organização do evento poderia ter encontrado um nome melhor. Não me parece absurdo que um festival literário dê primazia à literatura.

Elizabeth Bishop no Brasil, em 1954 - Divulgação

O que se discute no fundo é se pode haver separação entre o autor e sua obra. Sugiro que examinemos um caso extremo, na esperança de que as conclusões que dele possamos tirar sejam iluminadoras.

Um dos melhores atlas anatômicos de todos os tempos é o elaborado por Eduard Pernkopf e quatro artistas austríacos a partir de 1933. A qualidade técnica do trabalho e seu nível de detalhamento seguem sem paralelo. O problema é que Pernkopf e seus colaboradores eram nazistas convictos, a ponto de incorporar suásticas em suas assinaturas.

Ligeiramente branqueada pelos editores, a obra foi publicada regularmente até os anos 90, quando investigações revelaram que os corpos usados como modelo pelos ilustradores pertenciam a pessoas assassinadas pelos nazistas. A pergunta é inevitável: é ético usar as imagens de Pernkopf?

As opiniões se dividem —e o atlas deixou de ser reeditado—, mas boa parte dos bioeticistas, muitos deles judeus, argumenta que não há como desfazer o mal já causado. Se o conhecimento que pode ser extraído dos crimes permite fazer o bem, não há por que deixar de usá-lo. É até um modo de honrar as vítimas.
Acho difícil discordar dessa avaliação. Vida e obra são pelo menos parcialmente autônomos.

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