Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Hélio Schwartsman

Só um livro velho

Para remir pena de presos, Bíblia não vale mais do que "Ilíada" ou "Gilgamesh"

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A polêmica é deliciosa. Em 2017, a bancada religiosa da Assembleia Legislativa paulista aprovou uma lei que autorizava presos a usar a leitura da Bíblia para abater dias de sua pena. O então governador Geraldo Alckmin vetou pontos da norma, por entender que eles invadiam competência federal. Inconformados, parlamentares embalaram os trechos vetados num novo projeto, que foi aprovado em 2018 e sancionado pelo então novo governador Márcio França.

O Ministério Público do Estado viu aí inconstitucionalidade e contestou a lei. O TJ decidiu há pouco que os procuradores têm razão. Só a União poderia legislar sobre penas.

Detentos de presídio em Ribeiro das Neves (MG) participam do lançamento da biografia "Nada a Perder", sobre o bispo Edir Macedo - Samuel Costa/Hoje em Dia/Folhapress

A polêmica é deliciosa porque evoca o bíblico "perdoai-os, porque não sabem o que fazem". Se o objetivo dos religiosos era assegurar que a leitura da Bíblia valesse para efeitos de remição de pena, então não deveriam ter feito nada.

O regramento do Conselho Nacional de Justiça sobre a matéria (recomendação nº 44) já autoriza abater quatro dias de pena pela leitura de obra "literária" ou "clássica", entre outras. E, do ponto de vista do Estado, que é neutro em questões religiosas, a Bíblia é apenas um livro velho, não muito diferente da "Ilíada" ou da "Epopeia de Gilgamesh", encaixando-se com perfeição tanto na categoria literatura como na dos clássicos.

Quando os religiosos tentaram reclamar uma dignidade especial para seu livro favorito, dando-lhe lugar de destaque na legislação, se meteram num poço de inconstitucionalidade.

Pensar a Bíblia como apenas mais um livro é um exercício interessante. Como provoca o cético Michael Shermer, nos últimos 10 mil anos, os homens produziram cerca de 10 mil religiões com pelo menos mil deuses. Qual é a probabilidade de que Jeová seja o verdadeiro e Amon Ra, Zeus, Apolo, Baal, Odin, Mitra, Gilgamesh e mais 992 sejam todos falsos? E, se já nos tornamos ateus em relação a 999 deuses, por que parar em Jeová?
 

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.