O número de mortos pela Covid-19 não para de aumentar no Brasil, mas isso não parece ter afetado muito a popularidade do negacionista Jair Bolsonaro. A descoberta de novos cheques de Fabrício Queiroz para a mulher do presidente, que, em condições normais, derrubaria um governante —Collor caiu por muito menos—, não bastou nem sequer para convencer Rodrigo Maia a pôr em tramitação algum dos muitos pedidos de impeachment que dormitam em seu escaninho. Nem a reportagem da revista Piauí que conta como Bolsonaro quase atentou contra o STF reverberou como deveria.
O que está acontecendo? Ficamos tão acostumados com os desatinos presidenciais que perdemos a capacidade de nos indignar com eles? É claro que a habituação, o processo psicológico que faz com que seres humanos se acostumem com quase qualquer coisa, até a viver num campo de concentração, está dando a sua contribuição para a normalização de Bolsonaro, mas acho importante frisar que nem o presidente nem seus apoiadores são os mesmos de alguns meses atrás. Houve mudanças tectônicas na paisagem política.
O fato mais notável é que Bolsonaro abandonou o discurso antiestablishment para tornar-se refém do centrão. Sua base também sofreu abalos. Ele conserva a devoção de uns 15% dos eleitores, cujos cérebros são invulneráveis à realidade, mas perdeu apoio entre os mais ricos e escolarizados, que foi compensado pela incorporação de beneficiários dos programas emergenciais. O detalhe irônico é que o governo inicialmente se opôs a esses programas, que teve de engolir por imposição dos parlamentares.
O novo arranjo dá sobrevida a Bolsonaro, mas talvez não um futuro. Depender do centrão, como bem sabe Dilma Rousseff, é arriscado. Já a manutenção do novo contingente de simpatizantes requer a continuação de generosos programas de renda até 2022. Não é óbvio de onde Bolsonaro possa tirar dinheiro para isso.
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