A ciência nos dá descrições da realidade ou é só uma ferramenta que permite fazer previsões acuradas sobre certos fenômenos?
Têm saído tantos livros e artigos sobre a teoria dos muitos mundos que já estou me convencendo de que ela é “real”. Um bom exemplar dessa linha é “Something Deeply Hidden” (uma coisa bem escondida), de Sean Carroll. O livro destrincha questões complicadas da física, como função de onda quântica, emaranhamento e superposição, mas Carroll é bastante didático —talvez até enganosamente didático.
O plano central do autor é nos convencer de que o Universo é composto por uma enormidade de mundos, que se multiplicam cada vez que um evento quântico ocorre. Para Carroll, essa é a interpretação mais direta e menos problemática das equações quânticas, de cuja exatidão não temos dúvida. Ela permite que nos livremos das bizarrices que surgem quando tentamos conciliar essas equações com o que chamamos de realidade. As esquisitices incluem gatos zumbis e a ação fantasmagórica à distância que tanto chocou Einstein. Carroll bate forte na chamada interpretação de Copenhague, que aceita as equações sem se preocupar em harmonizá-las com o mundo que experimentamos em nosso dia a dia.
Não duvido de Carroll nem das equações, mas quero voltar à pergunta com a qual comecei a coluna. Sou agnóstico em relação a ela. Gostaria que a ciência descrevesse a realidade, mas estou pronto a aceitar que ela seja só um instrumento útil. Minha impressão é que estamos diante de um problema de “Zeitgeist”.
Durante a maior parte do século passado, predominaram filosofias como a de Kant, que assevera que as coisas em si, embora existam, são-nos incognoscíveis. Para os físicos criados nesse paradigma, não era um problema ver a ciência como mera ferramenta. Mas o sucesso da ciência fez com que ficássemos arrogantes e agora exigimos que ela retrate a realidade. Talvez o faça, talvez não.
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