No caso da Covid-19, é fácil proclamar-se um defensor da ciência e sair xingando os políticos e médicos que insistem em prescrever medicamentos sem ação significativa contra a moléstia. E devemos mesmo imprecar contra essa gente. Drogas como cloroquina e ivermectina foram, afinal, exaustivamente testadas para a Covid e, nos melhores estudos, reprovadas. Mas o que dizer das epidemias que foram criadas com a ajuda da ciência?
Dados recém-divulgados mostram que as mortes por overdose nos EUA ultrapassaram a marca das 100 mil entre abril de 2020 e abril de 2021, um aumento de 28,6% em relação ao mesmo período anterior. A maioria desses óbitos está relacionada aos opioides. Como o leitor há de se lembrar, essa crise foi forjada a partir dos anos 1990 com um empurrãozinho de pesquisadores, reguladores e médicos.
Tudo começou na indústria farmacêutica. Laboratórios desenvolveram novas apresentações de analgésicos que, pelos desejos de seus departamentos de marketing, apresentariam baixo risco de causar dependência. Para tentar provar isso, desenharam e executaram estudos que foram aprovados pelos reguladores. Médicos e dentistas, sem que ninguém apontasse armas para suas cabeças, prescreveram maciçamente essas drogas, até para dores agudas de baixa intensidade. Os resultados estão aí.
Um purista poderia alegar que a ciência é inocente, já que há uma mácula de origem, que foi permitir que interesses comerciais orientassem as pesquisas sobre o potencial da droga de gerar dependência. Num plano bem abstrato, até concordo. No mínimo, não se fez boa ciência. Mas não há como esconder o fato de que o sistema que deveria zelar para que a ciência fosse bem aplicada falhou.
O otimista pode proclamar que a falha foi detectada e será sanada. A ciência se autocorrige. Pode ser, mas, às vezes, é preciso uma catástrofe para que isso aconteça. Não é perfeito, mas é o melhor que temos.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.