A apreensão de 31 frascos de fentanil com traficantes no Espírito Santo acende um sinal de alerta. Tudo o que não precisamos por aqui é de uma epidemia de abuso de opioides semelhante à que ocorre nos EUA.
A situação ali pode ser descrita como desesperadora. As mortes por overdose de drogas vinham subindo de forma consistente desde 2000 e explodiram com a pandemia de Covid. Em 2021 foram 107 mil óbitos, 80 mil dos quais provocados por opioides, com o fentanil na liderança folgada. É mais do que as mortes em acidentes de trânsito ou por armas de fogo.
Acho difícil, porém, que o Brasil possa reproduzir um quadro semelhante ao americano. Um dos principais ingredientes da epidemia ali, que foi a prescrição maciça de opioides por médicos e dentistas, não ocorreu nestas bandas.
As raízes da crise americana remontam aos anos 1990, quando, com base em estudos ruins, laboratórios conseguiram convencer reguladores e profissionais de saúde a autorizar e prescrever novos opioides para manejar até dores agudas de baixa e média intensidade. A iniciativa foi um sucesso. Essa classe de drogas logo se tornou a mais receitada dos EUA. Só que as pílulas de oxicodona e hidrocodona eram menos seguras do que se pensava e geraram um pequeno exército de dependentes.
Um estudo do NIH de 2016 mostrou que 80% dos usuários de heroína, droga sem aplicação médica, chegaram à dependência através de analgésicos regulamente prescritos. No Brasil, temos o problema inverso. Médicos receitam menos morfina do que o que se estima que seria necessário para controlar as dores de pacientes que realmente precisam.
Os traficantes perceberam a oportunidade e inundaram as ruas com fentanil, que é mais fácil de produzir e contrabandear. Mas, como o fentanil é cem vezes mais potente que a morfina, e as pessoas nunca sabem bem o que estão consumindo (ele também é usado para "batizar" outras drogas), as overdoses explodiram.
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