Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

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Henrique Gomes

E se não estivermos sós no Universo, mas nunca acharmos extraterrestres?

Com um cosmo amplo no espaço e no tempo, um encontro requer que nos cruzemos em ambas as dimensões

No final do ano passado, Oumuamua, um objeto astronômico exótico, brevemente cruzou nosso Sistema Solar, deixando várias questões em seu rastro. Em novembro deste ano, pesquisadores de Harvard chegaram até a especular como o objeto pode ter vindo de uma civilização extraterrestre.

Apesar de a comunidade científica atribuir probabilidade minúscula a essa explicação, a possibilidade de encontrarmos vida inteligente fora da Terra é fascinante e torna o estudo —assim como outras iniciativas de procura— não só bem-vindo, mas também urgente.

objeto espacial preto
Impressão de artista europeu do objeto espacial Oumuamua - M. Kornmesser, European Southern Observatory

Descobrir que há outra civilização inteligente no Universo seria, sem dúvida, o evento mais importante da história humana. Mas a outra opção também atordoa. Como disse Arthur C. Clarke: “Existem duas possibilidades: ou estamos sozinhos no Universo ou não estamos. As duas são igualmente aterrorizantes”.

Mesmo que a frase esteja logicamente correta, ainda há outra distinção importante borrada pelo escritor britânico: e se não estivermos sozinhos no Universo, mas de qualquer forma nunca encontrarmos outra civilização? E se, como dois náufragos distantes num vasto oceano, nunca tivermos a menor oportunidade de nos abraçar? Na prática, esta opção parece idêntica à solidão cósmica.

O oceano do cosmo é amplo não só no espaço como também no tempo, e um encontro requer que nos cruzemos em ambas as dimensões. Uma busca por parceiros, tanto dos náufragos como das civilizações, se dá sob o correr do cronômetro.

Ambos, mais cedo ou mais tarde, deixarão de existir. Sem contar que podem, além de tudo, pertencer a épocas completamente distintas. Para que nos encontremos, nossos vizinhos têm de estar tecnologicamente ativos na mesma época exata que nós.

Assim como no caso do náufrago, a quantidade de espaço explorado por uma civilização tecnologicamente avançada também depende de sua duração. E, assim como o náufrago —que nunca descobrirá todo o oceano—, uma civilização nunca explorará a totalidade do cosmo. Mesmo nossa crescente capacidade tecnológica está ancorada pelas leis da física.

Por estas leis, se recebêssemos hoje uma comunicação alienígena respondendo às nossas primeiras transmissões de rádio, feitas há cerca de um século, saberíamos então que a distância máxima até nossos companheiros solitários seria de aproximadamente 50 anos-luz.

Em termos cósmicos, essa distância é irrisória; está logo ali. E mesmo que a humanidade dure mais mil anos, só nos comunicaríamos com vizinhos bem próximos.

E se a humanidade durar milhares, milhões ou até bilhões de anos? Não teríamos acesso a outras galáxias, contendo outra miríade de formas potenciais de vida? Não, mesmo depois de todo esse tempo.

Pois há uma distinção entre o oceano e o Universo: aquele não cresce, enquanto este sim. O mais surpreendente é que essa taxa de expansão aumenta com a distância: quanto mais longe estamos de outra galáxia, mais rapidamente nos distanciamos dela.

É difícil entender o que a física diz desse comportamento bizarro. Mas tentemos, brevemente.

Imagine que estamos fazendo um bolo. Distribuímos gotas de chocolate pela massa e a colocamos no forno. Um ponto crucial para a analogia é que, neste bolo, o fermento nunca se dilui. Conforme a massa fermenta, a distância entre as gotas aumenta.

O nosso Universo se expande como a massa deste bolo, onde as galáxias são as gotas de chocolate. O fermento é conhecido no jargão da física como “energia escura”, ou “constante cosmológica”, e é uma característica intrínseca do espaço-tempo, assim como a carga elétrica é do elétron.

Da mesma forma que as gotas de chocolate na analogia, galáxias se distanciam com o tempo e, no nosso Universo, estas distâncias aumentam mais rápido quanto mais longe uma galáxia está da outra; ou seja, quanto maior a distância entre as gotas, mais massa será fermentada entre elas a cada instante, acelerando ainda mais seu afastamento.

A consequência é que, com o passar do tempo, a luz emitida por outra galáxia terá que atravessar cada vez mais espaço para chegar à nossa. Como há um limite de velocidade no Universo (a da luz), em algum momento outras galáxias estarão tão longe —haverá tanto bolo sendo criado entre elas e nós— que seu brilho não nos alcançará mais.

É por conta deste fermento insolúvel no tecido do espaço-tempo que os céus de amanhã serão mais escuros. Galáxias inteiras sumirão de vista, levando consigo a possibilidade de contato com seus potenciais habitantes. Mesmo se houver vida distante lá fora, nossas chances de encontrá-la diminuem a cada instante.

O nome Oumuamua significa “mensageiro do passado distante nos procurando” na língua nativa do Havaí (onde fica o telescópio que fez a descoberta). É um nome apropriado: evoca a garrafa de um náufrago de outra era, lançada ao mar de modo esperançoso.

Provavelmente não veio de uma civilização extraterrestre: pelo que sabemos, ainda estamos sozinhos. Mesmo assim, que comecemos a procurar desde já. O tempo corre e, com ele, se esvai também nossa chance de encontrar outros viajantes neste crescente oceano cósmico.

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