Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

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Pais exercem pouca influência na personalidade dos filhos

Muita coisa influirá mais no adulto que vai crescer do que as estratégias que fazem pais perderem sono

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Escrevo este texto no Dia dos Pais: uma data em que celebramos o esforço e dedicação de uma geração em formar a próxima e agradecemos a ela por tudo de bom que encontramos em nós mesmos. (O resto do ano serve para culpá-los por aquilo que temos de ruim.) 

Trata-se de uma homenagem merecida. O esforço e o sacrifício se unem à dúvida constante dos pais: estamos fazendo o melhor possível para nossos filhos? Qual o equilíbrio correto para criança, entre estímulo e tédio? Posso deixar meus filhos assistirem a horas de YouTube? Pais e mães travam um debate sem fim consigo mesmos.

Mas quão responsáveis realmente são as estratégias parentais pelas personalidades da geração seguinte?

Não muito —é a resposta mais embasada cientificamente que temos hoje e, provavelmente, uma das mais intragáveis também. A influência social dos pais é incapaz de tornar seus filhos mais ou menos inteligentes, ou assegurar um maior senso ético, ou influenciar em uma miríade de outras características de personalidade.

Um enorme estudo publicado em 2015 na Nature Genetics analisou correlações entre gêmeos criados na mesma casa e em casas diferentes. Levaram em conta a variação em 17.804 características de personalidade, tomando como base quase a totalidade de estudos anteriores do assunto, de 1958 a 2012: 2.748, somando um total de 14.558.903 pares de gêmeos.

A conclusão foi de que “para a maioria das características (69%), a correlação observada entre os gêmeos é consistente com um modelo simples e parcimonioso em que a semelhança é totalmente devida a variação genética”. Gêmeos que não dividiram um lar ao crescer se tornam adultos relativamente parecidos. Mesmo no restante das características, a influência do ambiente familiar é considerada pequena.

Outros estudos, focados em crianças adotivas, reforçam a conclusão: herdeiros genéticos têm características mais similares entre si (e com os pais) do que filhos adotivos.

E, na ausência de herdeiros genéticos, a variabilidade das crianças adotivas é inconsistente com uma influência significativa do lar. Crianças adotivas crescendo no mesmo lar se tornam adultos bem diferentes.

A conclusão é forte e merece ser repetida: o lar compartilhado exerce pouca influência sobre a personalidade da pessoa que será lá formada.

Para os pais, é preciso dizer: os pares dos seus filhos, o ambiente fora do lar, os acidentes, todas as insondáveis idiossincrasias e pequenos eventos não planejados terão muito mais influência na personalidade do adulto que surgirá do que as diferentes estratégias que os fazem perder noites de sono.

Judith Rich Harris, psicóloga americana que primeiro sintetizou estas conclusões, oferece um exemplo simples: filhos de imigrantes não falam com o sotaque de seus pais, mas com o de seus pares.

E é fácil ver então por que essa é uma das conclusões mais intragáveis de toda a psicologia comportamental. O psicólogo Steven Pinker, de Harvard, resume: “Não é bem que as teorias [de Harris] foram refutadas; suas principais conclusões foram replicadas, mas sua mensagem não é absorvida. A mensagem de que pais moldam a criança é tão entranhada que [a de Harris] simplesmente não penetra.”

Mas a mensagem de Harris não quer dizer que pais não importam. A lição mais provável é que a maioria dos pais hoje em dia tratam seus filhos igualmente bem, para todos os efeitos. Pais adotivos ou naturais provêm o mínimo necessário, e isso é tudo que importa.

O efeito dos perfis parentais é grosseiro, não detalhado, e por isso explica tão pouca variação em características de personalidade. De fato, muitos estudos mostram as consequências deletérias de quando esse mínimo não é alcançado. Com pais abusivos, por exemplo, as consequências são seriíssimas.

Pinker oferece uma analogia: derrubar seu iPhone de um prédio de seis andares garantidamente irá destrui-lo. O fato de que você não ajudou a construir seu iPhone não irá expiar seus dedos escorregadios de culpa. Da mesma forma, se as estratégias parentais forem suficientemente negligentes ou danosas, é possível que os pais destruam algo que eles não construíram (como o desenvolvimento sadio de sua criança, o crescimento da linguagem, capacidade cognitiva etc).

Uma lição para os pais: se seus vizinhos não maltratam suas crianças, não os julguem por suas estratégias familiares, mesmo que para vocês seja claro que sejam equivocadas. É bem capaz que, para as características em questão, o ambiente fora de casa importe muito mais do que a permissividade com YouTube ou a falta de autoridade ou seja lá qual for a crítica. Talvez a estratégia dos seus vizinhos seja mais uma resposta à personalidade da criança do que sua causa.

E uma breve lição para os filhos: leve a sério a frase final do livro de Judith Harris: “Sobre o que há de errado com você: não culpe seus pais.” Poderíamos adicionar: culpe seus genes, seus pares e todas as milhões de pequenas causas que nunca conseguiremos destrinchar.

Para finalizar: precisamos mesmo ter tanta resistência às conclusões de Harris?

Respondo com outra pergunta: geralmente, qual é a nossa motivação quando tentamos ser bons maridos, filhos e amigos? Claramente não é porque queremos moldar as personalidades de nossos cônjuges, pais e amigos.

Não, nós somos bons, gratos, generosos com quem amamos porque queremos que sejam felizes. Queremos que nossa relação seja saudável e duradoura. Queremos formar boas memórias. Por que não pode ser assim também com nossos filhos?

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