Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

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Uma revolução na física se desenha no horizonte?

Discordância sobre frequência de oscilação de partícula subatômica causa frisson

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Neste último 7 de abril, físicos ao redor do mundo se fixaram (ainda mais) em suas telas, à espera de um pronunciamento anunciado pelo laboratório americano Fermilab. Muitos haviam sonhado, ao longo das décadas, com esse momento: finalmente, o modelo padrão da física de partículas, teoria que tomou sua forma atual já na década de 1960, teria feito previsões erradas.

A excitação vai de encontro à imagem conservadora de cientistas: se pudessem escolher, a maioria preferiria viver em uma época de revolução na física. E não há revolução sem um estopim e sem uma discordância. Neste caso, o estopim seria o anúncio de uma discordância entre a previsão teórica e a medição experimental da frequência de oscilação de uma partícula subatômica.

A partícula se chama múon e é como um elétron, só que bem mais pesado. O múon tem carga elétrica e, ao girar, se comporta como um minúsculo imã. Quando lançamos essa partícula a velocidades exorbitantes ao redor de um túnel circular, o eixo desse imã oscila muitas e muitas vezes por segundo. A frequência exata de oscilação depende da interação do múon com outras forças da natureza, as chamadas forças nucleares.

Gráfico mostra traços de colisão de partículas em experimento do Cern (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear) - Fabrice Doffrini - 13.dez.11/AFP

O erro, anunciado pelos cientistas do Fermilab naquele dia, era sobre a previsão teórica dessa frequência, que concerne o momento magnético anômalo do múon, ou g-2, e o valor observado (o g é o momento magnético do múon, e 2 é o valor previsto pela teoria "clássica"; a anomalia, g-2, é o valor que se mede com tanta precisão).

Chamar a previsão de errada parece um exagero: a discrepância entre o valor previsto e o medido só aparece depois de 13 casas decimais. É como jogar um dardo de uma cidade a outra e errar o centro do alvo por uma questão de centímetros. Na verdade, a previsão é frequentemente celebrada como a mais precisa já feita pela ciência.

No entanto, físicos não são daqueles de descansarem em seus louros: depois de décadas refinando e refinando o experimento, finalmente o valor experimental ficou fora do alcance da previsão teórica. Na semana anterior ao anúncio dos resultados, dezenas de artigos foram postados online tentando explicar a razão da anomalia —até ali só sugerida. O frisson, frente à possibilidade de novas forças fundamentais estarem causando a discrepância, era aparente.

Há ainda, porém, motivos para segurar o champanhe e esquecer a revolução. Por incrível que pareça, desta vez a incerteza vem do lado teórico, pois, para alcançar esse nível de precisão, a previsão requer um cálculo difícil. O múon interage com partículas que surgem do nada e depois desaparecem: é dessas interações que surge a anomalia. O problema é que há milhões dessas interações a serem consideradas e sua computação é incrivelmente complexa.

Para evitar algumas dessas computações, o cálculo original —que agora parece ligeiramente errado—achava uma forma de substituir uma coleção de termos por um outro resultado experimental. Ao invés de computar algumas centenas ou milhares de termos, encontravam um processo da física de partículas que deveria ser calculado usando essa mesma coleção de termos e substituíam a conta pelo resultado do experimento.

Só que outros cientistas, de um consórcio chamado BMW, acreditavam que todo o cálculo deveria ser feito a partir da teoria e, no máximo, simulações por computador. A analogia usada por Zoltan Fodor, físico da Universidade de Penn State e um dos líderes do BMW, é de um sistema de previsão meteorológica.

Prever o tempo a partir do movimento dos átomos é impossível: o que fazemos é usar aproximações em uma escala um pouco maior e, aí, tomando o maior número de medidas dessas quantias aproximadas e usando supercomputadores poderosos, podemos fazer uma previsão razoável de como estará o tempo amanhã. Quanto mais estações meteorológicas tomando essas medidas, mais precisas seriam as previsões.

Da mesma forma, o consórcio BMW tomou quantidades aproximadas, representando a interação das forças nucleares com o múon, residindo em pequenas células de uma treliça, cobrindo o espaço. As células da treliça serviam como estações meteorológicas virtuais: quanto mais células, mais precisa seria a previsão. Usando bilhões de células e milhões de horas de processamento por supercomputadores europeus, o consórcio chegou a um resultado que ainda bate com os experimentos!

Publicado na prestigiosa revista Nature no mesmo 7 de abril, o estudo serviu como um balde de água fria na comunidade. Fria, mas não gélida: a discordância teórica é menos excitante que a discordância entre teoria e experimento, mas qualquer discordância séria na ciência é motivo de celebração, pois indica algo que ainda não conhecemos. Até resolvermos esta disputa teórica, a revolução fica em espera.

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