Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Henrique Gomes

Como entendemos a consciência hoje?

Cérebro correlaciona sinais elétricos para interpretar mundo exterior, mas o resultado é só um chute

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

​Como você se sente agora? A sua perna está doendo? Você está com fome? Quais cores você está enxergando?

Por mais que nos esforcemos para responder detalhadamente a essas perguntas sobre nossas percepções, nós experienciamos o mundo em primeira pessoa: além de todas as descrições, há algo que permanece bruto, aparentemente sem explicações, sobre o que é ser o alvo de uma experiencia.

O filósofo americano Thomas Nagel epitemizou esse resquício inefável em seu famoso artigo de 1974, "Como é ser um morcego?". Nesse artigo, ele define o caráter subjetivo da experiência assim: "Um organismo tem estados mentais conscientes se e somente se houver algo que seja como ser esse organismo, para o organismo."

Nagel argumenta que, embora um humano possa ser capaz de imaginar o que é ser um morcego assumindo "o ponto de vista do morcego", por exemplo, usando um sistema de sonar ao invés de visão para caçar insetos, ainda assim seria impossível "saber como é para um morcego ser um morcego", saber como é "ver a vida" através de um sonar.

O alvo mais abrangente do argumento era o materialismo científico. Simplificando, essa é a tese de que tudo que ocorre no Universo pode ser explicado através de processos físicos. Segundo Nagel, a natureza subjetiva da consciência mina qualquer tentativa de explicar a consciência por meios objetivos. Isto é, se o caráter subjetivo da experiência não pode ser explicado através da referência a outros fatos ou conceitos, ele é portanto irredutível ao materialismo.

E já que, se o subjetivo for ignorado, a consciência não pode ser totalmente explicada, Nagel conclui que esse caráter da experiência é um fenômeno mental que escapa do materialismo.

Em um ótimo livro lançado agora na Inglaterra e EUA, "Being You: a New Science of Consciousness" (Penguin, ainda não publicado no Brasil), o neurocientista britânico Anil Seth reanalisa as conclusões de Nagel à luz dos avanços da neurociência nas últimas décadas.

Segundo Seth, nós não somos objetos passivos das nossa percepções. As cores e formas que enxergamos, os sons que ouvimos ou a fome que sentimos não estão lá fora no mundo. De certa maneira, são os nossos cérebros que "alucinam" os objetos de nossas percepções.

Seth enfatiza que esse entendimento não tem nada a ver com o idealismo do século 18, do bispo britânico Berkeley, que sustentava que os objetos comuns são apenas coleções de ideias, que dependem da mente e simplesmente não existiriam sem um observador. Para Seth, há um mundo real independente de nós, mas nosso acesso a ele é muito estreito.

O nosso cérebro fica preso em uma caixa escura e silenciosa. Ele só tem acesso ao mundo real por meio de sinais elétricos, que chegam a ele sem maiores explicações sobre o que os originou. O trabalho do cérebro é então tentar correlacionar sinais provindos de diferentes momentos e fontes e formar uma figura do que é o mundo exterior. A figura que ele forma é só um chute: uma tentativa de explicar os sinais que recebe, tecendo uma hipótese consistente sobre o que os originou.

Acima de tudo, o cérebro é uma máquina de fazer previsões sobre o futuro próximo, mas o mundo é demasiadamente complexo: há inúmeros sinais que não estão relacionados e estamos imersos em uma poluição sensorial que não carrega muita informação útil.

Para otimizar seus chutes, nosso cérebro precisa conseguir ignorar a cacofonia de sinais espúrios. Portanto, após fazer uma previsão, os sinais externos são filtrados: só os que são relevantes à previsão são devidamente processados.

Após dar um chute sobre o estado atual do seu ambiente, o cérebro só presta atenção naqueles sinais que claramente contradizem sua previsão. Isso leva Seth a chamar a nossa percepção do mundo de "alucinação controlada".

Ao contrário de Nagel, a visão de Seth é materialista: tudo encontra explicação através de processos físicos. Mas como essas explicações físicas respondem ao argumento de Nagel, sobre o caráter subjetivo da experiencia?

Aqui o argumento de Seth é mais sutil, e, para muitos, menos convincente. A idéia principal vem da física, e se chama emergência. Na próxima coluna, tentarei explicar o conceito para o leitor leigo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.