Hussein Kalout

É cientista político, especialista em política internacional e Oriente Médio e pesquisador da Universidade Harvard. Foi consultor da ONU.

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Omissão sobre massacre saudita no Iêmen é algo estarrecedor

A inércia da comunidade internacional com as atrocidades cometidas no Iêmen é algo estarrecedor. A chamada "coalizão árabe", uma aliança militar forjada pela Arábia Saudita –com alguns bilhões de dólares– para dar coloração legítima a sua intervenção armada em favor do grupo político local subordinado a seus interesses, vem massacrando diariamente, há mais de um ano, civis iemenitas sem poupar mulheres, idosos e crianças.

Para lá de questionáveis, os resultados estratégicos da intervenção militar no Iêmen não trouxeram, até o momento, nenhuma vantagem política a Riad no intrincado tabuleiro regional.

O contorno da estratégia saudita transformou-se em nada mais do que uma política sanguinária de punição coletiva. A infraestrutura mais básica do país –mercados, escolas, hospitais e mesquitas– está sendo reduzida a pó, com o silêncio do "civilizado" mundo ocidental.

Os sucessivos fracassos de cessar-fogo tornam a saída política da guerra uma meta irreal, já que os sauditas buscam impor nas negociações diplomáticas demandas disformes à realidade local.

No último sábado (8), o alvo da ação saudita foi um funeral, em Sanaa, ceifando a vida de mais de 140 pessoas e ferindo outras 500, todos civis. Não se tratou de erro. O ataque foi deliberado. Supostamente, participavam do funeral líderes opositores vinculados aos houthis e ao ex-ditador Ali Abdullah Saleh, e o objetivo era claro: assassinato em massa.

Como já é de praxe, os sauditas negaram o fato. Depois, tentaram escondê-lo. Posteriormente, tentaram culpar terceiros atores e, por último, sucumbiram ao peso das irrefutáveis evidências.

A gravidade do fato fez o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, expressar seu repúdio, aludindo a crimes de guerra e solicitando a instalação de uma comissão internacional independente para investigar o caso.

Crédito: Editoria de arte/Folhapress Onde fica Iêmen

No fundo, nada disso irá pra frente. A imoralidade de interesses econômicos –sempre postos acima de quaisquer princípios– não impedirá o mais medieval e extremista dos regimes totalitários do mundo a seguir com suas atrocidades no Iêmen ou a continuar sendo a fonte ideológica e uma das matrizes de financiamento do terrorismo internacional.

Do lado de cá do Atlântico, esperava-se do governo brasileiro uma manifestação mínima de solidariedade para com as famílias das vítimas do Iêmen, para não dizer uma necessária e firme condenação ao hediondo crime –isso, é claro, se o Itamaraty quisesse manter a coerência de seu discurso de respeito aos direitos humanos.

As notas à imprensa do Itamaraty números 384 e 385, referentes, respectivamente, aos atentados em Jerusalém e na Turquia, publicadas no dia 10, expressam, corretamente, solidariedade e condenaram a violência que deixou dois mortos e seis feridos, em Israel, e 18 mortos e 27 feridos, na Turquia. Já no Iêmen, apesar dos mais de 140 mortos e 500 feridos, a solidariedade da diplomacia brasileira pode tardar para vir, ou quiçá, nunca chegar.

Ao se tratar de Oriente Médio, é importante que a diplomacia brasileira tome cuidado com a seletividade de seus posicionamentos e, inclusive, de seu silêncio.

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