Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Novas tecnologias ajudam governos a manterem seus países longe da democracia

Apesar de polarizações, regime democrático sobrevive em países com bases mais sólidas

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Homem tenta parar tanques em Pequim, durante confrontos que se seguiram a protestos na praça Tiananmen, em 1989 - 5.jun.1989/Reuters

Na China, 30 anos atrás, um protesto público ousado na praça central da capital empurrou os autocratas chineses até a beira do precipício. Quando a União Soviética implodiu, o crítico mais implacável do partido governante virou o presidente e figura política dominante da Rússia. A América ascendente não tinha rival séria. Na Europa, o Ocidente acolhia o Oriente. Entre os países mais avançados do mundo, parecia ter restado pouco pelo qual lutar. O final de um século de conflito parecia ter assegurado a vitória da democracia.

A história tinha planos diferentes. Hoje a maioria das democracias liberais está mais polarizada do que em décadas e eleitores dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, México, Paquistão e Brasil rejeitaram os atores políticos estabelecidos em favor de uma mudança radical esperada. O terreno político comum entre os partidos políticos nestes e outros países está desaparecendo. Segundo a ONG de defesa dos direitos humanos Freedom House, a confiança pública no governo nunca esteve tão baixa.

A América de Donald Trump não poderia estar mais fortemente dividida. O sonho europeu de convergência e união cada vez mais estreita enfrenta desafios sérios no interior da UE, especialmente na Itália, Polônia e Hungria. Enquanto isso, na China em ascensão o presidente Xi Jinping consolidou poder em uma escala que não é vista desde Mao e engajou seu país com um modelo econômico de capitalismo autoritário de Estado. Muitos governos e cidadãos em todo o mundo enxergam a China como fonte de segurança, estabilidade e oportunidade, enquanto a Europa e América representam a disfunção política e a insatisfação pública com o governo.

Quanto terreno a democracia perdeu nos últimos anos? Por um lado, as instituições governantes da Europa, dos EUA e outras democracias industriais avançadas são extraordinariamente resilientes. Os freios ao poder que elas oferecem ajudam as sociedades a resistir a choques. Nos Estados Unidos, parlamentares oposicionistas, os tribunais, a mídia e a burocracia, todos vêm resistindo à investida agitada de Trump para conseguir seus intentos. Na Europa ocidental não há líderes eleitos que possam ter a certeza de que seus governos vão perdurar. Mesmo em democracias mais recentes, como Turquia, Polônia e Hungria, burocracias, tribunais, jornalistas, partidos oposicionistas e eleitores irados ainda podem cobrar dos políticos populistas eleitos a responsabilidade por seus atos.

A história recente da Grécia evidencia a resiliência da democracia. Esse país sofreu uma depressão econômica mais profunda e mais longa do que a Grande Depressão da década de 1930 nos Estados Unidos. Em resposta, um partido político relativamente novo da extrema esquerda, o Syriza, chegou ao poder. Entretanto, mesmo sendo de extrema esquerda, o Syriza vem cumprindo sua promessa de cooperar com as instituições europeias e o FMI para restaurar a confiança no futuro do país.

Mas a história não se resume a isso, porque, mesmo que a democracia perdure em países onde tem raízes profundas, as novas tecnologias, especialmente as novas tecnologias de comunicações e o armazenamento de dados pessoais, podem ajudar a impedir que ela se alastre para outros países. Da praça Tiananmen até o colapso soviético e até a queda de governos nos primórdios da primavera árabe, muitas pessoas imaginaram que os avanços na tecnologia de comunicações tornariam impossível a permanência de autocratas no poder. Em um mundo em que eles não pudessem mais controlar o fluxo de informações em seus territórios e limitar a capacidade dos cidadãos de se comunicarem entre eles, muitos se perguntaram como os autocratas conseguiriam conservar-se no controle.

Em vez disso, porém, os governos vêm encontrando meios de utilizar as novas tecnologias para se protegerem. A guerra civil síria oferece um exemplo marcante disso. No início do conflito a Rússia cedeu ao presidente Bashar al-Assad algumas centenas de analistas e engenheiros de dados para ajudar as forças armadas sírias a fazerem uma varredura dos textos e contas de mídia social de cidadãos sírios, com a finalidade de identificar e prender aqueles que tivessem probabilidade maior de desafiar o governo. Por um custo baixo, esse projeto mostrou-se tremendamente eficaz em ajudar o governo sírio a privar adversários do regime de aliados.

Existem importantes áreas de insatisfação na China. Uma das maiores delas é Xinjiang, no noroeste do país, região historicamente povoada por uma minoria muçulmana uigur submetida a sistemática discriminação política e econômica e assimilação étnica forçada. Turbulência violenta na região levou o governo chinês a fechar a internet no território em certa ocasião. Hoje as autoridades chinesas aproveitam avanços na tecnologia de reconhecimento facial e “big data” para identificar potenciais “agitadores” e reduzir o risco de manifestações públicas de grande escala. Essas e outras tecnologias de vigilância utilizadas pelos governos chinês e russo estão rapidamente tornando-se mais amplamente disponíveis.

Assim como a tecnologia, a democracia evolui. Ninguém pode afirmar com confiança que qualquer autocrata vá governar por toda a vida. Mas, para muitos governos pelo mundo afora, o controle autoritário duradouro está passando a ser uma opção muito mais realista.

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