Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Os encantos da democracia na era de Trump

Opinião pública sobre um país não é direta e previsivelmente influenciada pela política externa

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Muito tem sido dito ultimamente sobre a morte iminente da democracia.

A ascensão contínua da China, a emergência de ditadores (e candidatos a ditadores) em democracias como Índia, Turquia, Brasil e outras e o crescimento do populismo iliberal sob formas diversas, tudo isso às vezes parece indicar que a democracia está em baixa.

Mas boa parte dos receios quanto ao futuro da democracia se devem ao endurecimento das atitudes internacionais em relação a Donald Trump e os Estados Unidos.

No entanto, um olhar mais atento para essas atitudes em diversos países revela alguns resultados surpreendentes. Compare-se o sentimento público no Japão e na China.

Trump retornou recentemente de uma viagem ao Japão, onde foi recebido com salamaleques, tapetes vermelhos, assentos na primeira fileira em lutas de sumô e a honra de se tornar o primeiro chefe de Estado a se reunir com o novo imperador do Japão.

O presidente dos EUA, Donald Trump, à esq., e o dirigente chinês, Xi Jinping, durante encontro em Pequim
O presidente dos EUA, Donald Trump, à esq., e o dirigente chinês, Xi Jinping, durante encontro em Pequim - Nicolas Asfouri - 9.nov.17/AFP

Enquanto isso, Estados Unidos e China estão mergulhados numa guerra comercial plena.

Este mês entram em vigor tarifas americanas sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses, e a China, em retaliação, suspendeu suas importações de soja de produtores americanos.

Em resposta ao boicote americano da gigante chinesa das telecomunicações Huawei, a China está ameaçando deixar de exportar aos EUA seus metais de terras raras, um ingrediente crucial de produtos de tecnologia.

O Japão é uma democracia representativa e aliada dos Estados Unidos, aliança selada em tratados. A China, por outro lado, ainda é um Estado policial.

Xi Jinping continua a consolidar poder no Partido Comunista chinês, que monopoliza o poder político interno.

Com as reformas econômicas que promoveu, o partido ajudou a tirar centenas de milhões de cidadãos chineses da pobreza, ao mesmo tempo em que lhes nega os direitos e liberdades vistos como sacrossantos pelo Japão e outras democracias.

Entre os povos desses dois países, qual têm a opinião mais elevada dos Estados Unidos e seu sistema político?

Uma pesquisa internacional recente encomendada pela Eurasia Group Foundation (ECF), organização sem fins lucrativos da qual sou presidente do conselho, constatou que três vezes mais japoneses expressaram uma opinião negativa a respeito das “ideias americanas de democracia” que uma opinião positiva.

Mais japoneses disseram que gostariam de ver seu “sistema de governo se diferenciar mais do americano” nos próximos 20 anos do que os que manifestaram a posição oposta.

 

Enquanto isso, os chineses entrevistados na pesquisa revelaram chances três vezes maiores de: 1) querer que seu governo se tornasse mais semelhante ao americano, 2) ter uma visão positiva dos EUA e 3) ter opinião favorável sobre as ideias americanas em relação à democracia.

Quando solicitados a classificar 15 países específicos num ranking dos que têm a melhor forma de governo, os EUA ficaram em segundo lugar, depois da própria China.

A forma de governo dos EUA recebeu aprovação quase duas vezes maior que a do Reino Unido e quase três vezes maior que a de França ou Rússia.

O que isso tudo quer dizer? Que a opinião pública sobre um país estrangeiro particular não é direta e previsivelmente influenciada pela política externa desse país.

O governo japonês talvez se sinta grato pelas garantias de segurança dadas pelos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que eleitores da ilha japonesa de Okinawa escolhem um prefeito que prometeu expulsar uma base militar americana da ilha.

O dirigente chinês pode impor tarifas retaliatórias sobre os produtos importados dos EUA, ao mesmo tempo em que os chineses anseiam pelo tipo de liberdades políticas permitidas nos Estados Unidos.

Isso é algo que o governo chinês parece entender. Na verdade, ele vem fazendo um esforço coordenado para preparar o espírito dos chineses para um confronto econômico prolongado.

O principal canal de cinema da China, o CCTV-6, começou a transmitir filmes sobre a resistência ao que a China vê como sendo a agressão americana, entre eles vários que tratam da Guerra da Coreia.

Uma editora estatal publicou recentemente uma coletânea de discursos proferidos por Mao em 1938 em resposta a uma invasão japonesa que a China repeliu após um conflito prolongado.

Os resultados da pesquisa sugerem que esses esforços podem mudar as atitudes em relação aos EUA, pelo menos as de setores marginais, mas que é pouco provável que satisfaçam a demanda pública por mais liberdade e por uma transparência maior do poder público.

A democracia liberal enfrenta sua devida parcela de desafios, mas o resultado do estudo da EGP indica que as pessoas dos países pesquisados tendem a diferenciar entre as políticas públicas do governo americano e os princípios de direitos e liberdades individuais garantidos pela democracia americana.

Esse é o caso especialmente na Ásia. As instituições que apoiam a democracia e as alianças que a protegem podem estar passando por uma reavaliação saudável no Japão (e outros países).

E a população pode ver sua situação melhorar sob um modelo político radicalmente diferente na China (e outros países).

Mas o desejo humano fundamental por liberdade individual, princípio central da promessa da democracia liberal, continua vivo sob formas diferentes em culturas políticas distintas.

Dificilmente os ditadores do mundo farão isso mudar.​

Tradução de Clara Allain

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