Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ian Bremmer

Como o relacionamento dos EUA com líderes dos países do G20 mudou sob Donald Trump

O 'América Primeiro' não isolou o país, mas modificou a natureza de suas relações diplomáticas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A visão convencional dos comentaristas é que a abordagem “América Primeiro” adotada por Donald Trump à política externa –unilateral, transacional, desprezando a história – isolou os EUA como nunca antes. Mas, embora o ataque contínuo de Trump aos valores ocidentais como o estado de direito e a liberdade de imprensa tenha inegavelmente tensionado as relações com aliados tradicionais como Canadá, Alemanha e França, o "América Primeiro" também valeu aos EUA uma nova classe de aliados.

De fato, mais ou menos um terço dos líderes do G20 hoje preferem ativamente Trump a seu predecessor Barack Obama. É um sinal de que o mundo pode estar se aproximando de Trump e do tipo de política que ele representa pelo menos tão rapidamente quanto sua abordagem heterodoxa à política externa americana está afastando os aliados tradicionais do país.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro recebeu o apelido de “Trump dos Trópicos”, e seu forte desdém pela correção política rivaliza com o do próprio Trump. Do mesmo modo, poucos líderes mundiais podem equiparar-se ao discurso trumpiano sobre a migração tanto quanto Matteo Salvini, da Liga Norte, a força política que sustenta o governo italiano hoje.

Os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump durante reunião do G20
Os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump durante reunião do G20 - Kevin Lamarque/Reuters

Tanto Salvini quanto Bolsonaro fizeram campanhas ao estilo da de Trump, com uso intensivo das redes sociais. Scott Morrison provavelmente será o primeiro líder australiano desde 2006 a ser recebido por um presidente dos EUA com um jantar de Estado. Numa visita que fez ao porta-aviões USS Ronald Reagan, ele declarou que “Austrália e Estados Unidos enxergam o mundo com os mesmos olhos”.

A afinidade entre Trump e o príncipe herdeiro saudita Mohamed bin Salman (MBS) está longe de constituir segredo, e os sauditas têm uma relação infinitamente melhor com Trump e sua equipe do que jamais tiveram com Obama. Trump mantém uma relação pessoal de simpatia mútua com o líder indiano, Narendra Modi, e nenhum outro líder mundial se mostra tão adepto quanto ele em usar da política divisiva do “nós versus eles” para conquistar vitórias políticas.

O argentino Mauricio Macri tem um relacionamento pessoal com Trump baseado em negócios e no golfe que vem de antes de qualquer dos dois ser presidente e compartilha a indiferença de Trump a ideologias. É esse o caso também do recém-empossado primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que Trump parabenizou no Twitter por ter conquistado a liderança britânica, fazendo-lhe seu elogio máximo: ele o apelidou de o “Trump britânico”.

É desnecessário falar mais sobre a simpatia genuína que Trump sente pelo presidente russo, Vladimir Putin, ou a que Putin nutre por Trump, se bem que a desconfiança de tanto republicanos quanto democratas de Washington em relação ao russo tenha inviabilizado o ressuscitamento das relações EUA-Rússia. O mesmo se dá com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

É um elenco grande de atores políticos, cada um dos quais tem suas razões políticas próprias para preferir Trump. Mas recue um passo e você enxergará duas vertentes distintas da atração que Trump exerce sobre outros líderes mundiais. No caso dos que presidem democracias, o que os atrai é o populismo de Trump e sua capacidade de ganhar a adesão dos tipos de eleitores que se sentiram marginalizados por muito tempo. Entre os autoritários, é a postura transacional de Trump e sua disposição de ignorar questões como violações dos direitos humanos em nome das realidades políticas.

Também é importante destacar os líderes mundiais que teriam razões para se dar bem com Trump... mas não se dão. Xi Jinping, da China, previa poder trabalhar com Trump, o empresário, para fechar acordos que beneficiassem seu país ao mesmo tempo em que favorecessem Trump ao nível político e empresarial mais pessoal. Em vez disso, Xi se descobriu alvo da política americana mais agressiva em relação à China, uma das poucas questões em Washington que hoje recebe apoio genuíno dos dois partidos políticos principais.

Do mesmo modo, o líder japonês, Shinzo Abe, se surpreende ao descobrir que, depois de três anos e do maior esforço manifesto empreendido por um líder de uma democracia industrial avançada para angariar a simpatia de Trump, o presidente americano não se dispôs a abrandar em relação ao Japão. E Abe tampouco conseguiu perdoar a volatilidade de Trump.

Três anos depois de iniciada a Presidência Trump, está ficando claro que o "América Primeiro" não isolou os Estados Unidos, mas modificou a natureza de suas relações diplomáticas. Muito disse se deve ao modo pessoalmente anticonvencional em que Trump aborda a política externa, mas, ainda mais que isso, a fatores estruturais que estão impelindo o mundo para uma nova ordem mundial pós-americana.

Quem suceder Trump, quer seja em 2020 ou 2024, vai deparar com um novo conjunto de aliados e adversários dos EUA. Quão bem ele ou ela se orientar nesta nova paisagem diplomática ajudará em muito a determinar o êxito de sua Presidência –e o legado presidencial de Trump.

Tradução de Clara Allain

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.