Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Da Pax Americana à recessão geopolítica

Quatro episódios levaram ao fim da ordem global liderada pelos EUA

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N​ão é só impressão sua –a política global realmente anda caótica ultimamente. E, embora cada história geopolítica tenha seu conjunto próprio de atores e circunstâncias que impulsionam seu respectivo drama, o fio condutor que os une é uma ausência de liderança global aí fora para manter as coisas sob controle geopolítico.

O mundo passou da era da chamada “Pax Americana” na história mundial –em que os EUA usaram seu poderio econômico e militar para assegurar um nível básico de estabilidade global e coordenar com seus aliados de pensamento semelhante as respostas globais a problemas globais —para uma “recessão geopolítica” em que a velha ordem global está se decompondo.

retrato de trump cabisbaixo
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa na Casa Branca - Brendan Smialowski - 25.jan.2019/AFP

Fazendo uma rápida retrospectiva dos últimos 30 anos, houve quatro viradas cruciais que impeliram o mundo para seu estado atual de disfunção política.

O primeiro ponto de virada foi a resposta insuficiente do Ocidente ao colapso da União Soviética, em 1991.

Depois de passar décadas travando uma batalha ideológica feroz com os soviéticos, as democracias ocidentais festejaram sua vitória, acolheram a antiga URSS no seio do capitalismo democrático e então, na prática, a deixaram virar-se sozinha.

Não houve nenhum Plano Marshall para a ex-União Soviética, como houve para a Europa após a devastação deixada pela Segunda Guerra Mundial; em retrospectiva, os estados pós-soviéticos, e especificamente a Rússia, necessitavam muito mais atenção e assistência do Ocidente do que receberam.

O resultado foi que indústrias críticas foram capturadas por interesses especiais e oligarcas, abrindo o caminho para uma liderança política cujo objetivo geopolítico maior em 2019 é desestabilizar democracias ocidentais por meio de campanhas de desinformação e medidas taticamente provocantes no palco geopolítico.

O segundo ponto de virada foram os ataques de 11 de setembro de 2001 e a reação excessiva do Ocidente com o lançamento de duas guerras fracassadas no Afeganistão e no Iraque.

Enquanto a guerra contra o Afeganistão foi compreensível na época, dado o vínculo claro entre o Taleban e a Al Qaeda, a decisão dos EUA de travar uma guerra contra Saddam Hussein com base em argumentos espúrios continua a ser vista por muitos no mundo como imperdoável e manchou para sempre a imagem da liderança global dos EUA.

As duas guerras resultaram em Estados falidos que continuam a criar riscos sérios à segurança da região.

Os custos altíssimos dos dois conflitos –trilhões de dólares gastos e milhares de vidas ceifadas—deixaram os EUA e seus aliados relutantes em repetir o mesmo erro outra vez e muito menos interessados em exercer o papel de policial do mundo.

O terceiro ponto de virada foi a crise financeira de 2008.

A resposta global para evitar o colapso iminente da arquitetura financeira do mundo foi a última vez que vimos liderança americana genuína e uma cooperação real entre as democracias industrializadas avançadas do mundo para fazer frente a uma crise global que colocava todos em risco.

Na realidade, foi a única vez que os países do G7 realmente funcionaram de modo unificado, além de ter inaugurado o primeiro encontro do G20, o mais funcional até hoje. Mas o modo em que o sistema financeiro foi salvo –socorrendo os grandes bancos e instituições financeiras com dinheiro dos contribuintes— alimentou a percepção de que aqueles que tomavam as decisões políticas estavam totalmente fora de sintonia com as pessoas que os elegeram, levantando dúvidas sérias sobre como o capitalismo ao estilo ocidental estava cumprindo o contrato social no século 21.

Em meio à sua ascensão econômica meteórica, a China se sentiu reforçada em sua posição de que precisava conservar uma estrutura política e econômica diferente para evitar sofrer um destino semelhante. Movimentos como Occupy Wall Street chegaram e desapareceram no Ocidente, mas, basicamente, não foram procuradas soluções ao problema.

Isso tudo levou ao quarto ponto de virada: a onda populista de 2015/2016, um ambiente político polarizado que desembocou no resultado do referendo sobre o brexit e a eleição de Donald Trump, ambas decisões que fraturaram a política doméstica de seus respectivos países, além da cooperação global de modo mais amplo.

Foi o sinal final ao mundo de que a ordem global liderada pelos EUA estava acabada, levando à adoção ampla de um ethos do tipo “cada país por si” que vem ganhando popularidade desde então entre as democracias do mundo.

Some-se a tudo isso uma China ambiciosa e oportunista que está construindo uma arquitetura internacional alternativa para competir com o Ocidente, e a política global está mais volátil do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra Mundial.

A “recessão geopolítica” em que estamos vivendo não vai durar para sempre, mas o fim da Pax Americana está claro. A dúvida é o que vai vir a seguir.

Ian Bremmer é fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time

Tradução de Clara Allain

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