Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Governo Trump

O que o impeachment de Trump significa para a política dos EUA no futuro

Se as últimas semanas nos mostraram algo, é que o pior ainda está por vir

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Já houve julgamentos de impeachment nos Estados Unidos antes, mas nunca em um ambiente tão polarizado quanto este. 

Após as investigações de Mueller, parecia que a era atual de tribalismo político impediria a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, de apresentar artigos de afastamento contra o presidente Donald Trump.

Para que colocar em risco candidatos democratas em estados indecisos em nome de um processo fundamentalmente político que apenas morreria na praia quando chegasse ao Senado, controlado pelos republicanos? A matemática política não fazia sentido.

Mas as revelações sobre a Ucrânia mudaram esse cálculo.

 A rapidez com que os fatos vieram à tona, somada à gravidade das acusações —um presidente no exercício do cargo retendo verbas dos contribuintes destinadas a um país aliado sob a condição de este abrir uma investigação sobre seu adversário político e a família dele— forneceram o impulso político que as investigações de Mueller nunca chegaram a oferecer (ou talvez nunca poderiam ter oferecido).

De repente, o Partido Democrata inteiro, não apenas seus elementos mais radicais, estava a favor do impeachment.

A população americana parece estar suficientemente perturbada com as revelações —algumas vindas de denunciantes e outras da própria Casa Branca— para que uma média de pesquisas de opinião tenha mostrado que 51% dos americanos eram a favor das investigações de impeachment, na semana depois de elas serem abertas.

Um número seleto de republicanos chegou a vir a público para criticar o presidente —fato raro nos tempos políticos atuais. Apesar de tudo isso, ainda é altamente provável que Trump seja absolvido pelo Senado.

Seria preciso que dois terços do Senado votassem para condenar o presidente e afastá-lo do cargo –ou seja, 20 senadores republicanos teriam que sacrificar sua carreira política para afastar Trump, que continua popular entre a base republicana.

Mas mesmo uma tentativa fracassada de impeachment terá um impacto sobre a política americana de agora em diante.

O primeiro efeito, e o mais evidente, é sobre o próprio presidente, que já começou a manifestar comportamento instável, tanto no Twitter quanto na vida real.

A entrevista coletiva surreal com o presidente finlandês na semana passada não foi uma aberração, mas um indício do que ainda está por vir. 

Mais perturbador ainda foi o chamado de Trump à China para que também ela começasse a investigar seus adversários políticos: para normalizar seu passo em falso inicial, o presidente optou por aumentar mais ainda seus erros seguintes. 

É uma estratégia de alto risco, mas Trump sempre foi afeito a assumir riscos, tanto nos negócios quanto na política.

E há as trocas de pessoal no âmbito governamental. O enviado especial à Ucrânia, Kurt Volker, já renunciou a seu cargo, mas é possível que figuras ainda mais cruciais da administração Trump  —como o secretário de Estado Mike Pompeo e/ou o secretário de Justiça William Barr— sejam forçadas a sair à medida que vêm à tona mais informações sobre o escândalo da Ucrânia, enfraquecendo a capacidade de Trump de executar o que restou de sua agenda política. 

Na frente doméstica, os EUA encaram um ano ou mais de paralisia administrativa, com a possível exceção da ratificação do acordo comercial USMCA  —entre EUA, México e Canadá, que também tem o apoio dos democratas. 

Isso aumenta a probabilidade de Trump procurar vitórias políticas na arena internacional antes das eleições de 2020. 

Assim, podemos prever mais ação sobre a retomada de conversações de cúpula com a Coreia do Norte, uma urgência intensificada dos EUA para reduzir suas tropas no Afeganistão e uma disposição maior de enfrentar o Irã

Podem não ser iniciativas que beneficiem os interesses dos EUA no longo prazo, mas beneficiarão os interesses políticos de Trump no curto prazo. 

Para ele, essa é a prioridade. Mas o maior impacto dos procedimentos de impeachment será empurrar os EUA para mais perto de uma crise constitucional com a eleição de 2020 em seu cerne. 

Quando o ex-presidente Bill Clinton foi alvo de impeachment, a questão em pauta era se ele próprio havia obstruído a investigação; é o que provavelmente teria sido um impeachment de Trump baseado nas conclusões de Mueller. 

Mas este impeachment vai pôr em causa a legitimidade do próprio processo político americano e questionar se as eleições americanas foram comprometidas por atores externos, potencialmente a pedido de autoridades americanas. 

Independentemente de Trump ser inocentado ou condenado, cerca de metade da população americana vai se sentir injustiçada pelo processo e vai se arraigar ainda mais fortemente em sua base política. 

O resultado final será um público americano muito mais aberto a enxergar os resultados de 2020 como ilegítimos se o candidato de sua preferência não tiver vencido. Pense em Bush versus Gore, mas com o partido derrotado não se dispondo a aceitar a derrota.

Tudo isso significa que, se as últimas semanas de política americana nos mostraram alguma coisa, é que o pior ainda está por vir.

Tradução de Clara Allain 

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