Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Em tempos de frustração política, a democracia ainda é a melhor forma de governo?

Se há uma coisa que une o mundo em 2019, é a raiva com os governos

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O mundo não é justo. Mas isso não é novidade. O que é novo é a rapidez e a intensidade com que a fúria popular diante da injustiça vem fervendo e assumindo a forma de protestos políticos prolongados

Nos últimos meses, manifestações tomaram conta de países ricos e pobres, democracias fortes e regimes repressores fortes, também.

À base dessa ira está a percepção generalizada de que os políticos defendem os interesses das elites, não da população.

Manifestantes protestam contra o governo em Santiago, no Chile
Manifestantes protestam contra o governo em Santiago, no Chile - Claudio Reyes - 26.out.19/AFP

Protestos são ocorrências comuns em países em desenvolvimento, e por uma boa razão: a população desses países sofre amargamente quando os governos não garantem a oferta de serviços básicos, e, devido à escassez de instituições políticas desenvolvidas, atores não tradicionais –entre os quais os manifestantes ocupam lugar de destaque— tendem a fazer a bússola política se mexer.

Nas últimas semanas, o Egito assistiu a seus maiores protestos desde a Primavera Árabe, provocados por alegações de corrupção do presidente Abdel Fatah al-Sisi e dos militares e exacerbados por reformas econômicas que reduziram os subsídios e elevaram os impostos sobre os mais pobres. 

No Líbano, um “imposto de WhatsApp” sobre as comunicações online desencadeou protestos logo dominados por reivindicações econômicas e políticas mais amplas e que acabaram levando à renúncia do primeiro-ministro Saad Hariri

O presidente iraquiano Adel Abdul Mahdi não se deu muito melhor que o premiê libanês; seu país foi dominado por protestos de setores fartos do alto índice de desemprego e da insuficiência dos serviços públicos

No Equador, a decisão do presidente Lenin Moreno de extinguir os subsídios dos combustíveis levou a semanas de protestos contra problemas sociais diversos.

Os atos acabaram levando o presidente a reverter sua decisão –uma vitória para os manifestantes, mas uma derrota para a disciplina fiscal.

Historicamente falando, protestos tendem a ser menos eficazes em países mais ricos –tanto porque a política é mais entrincheirada e provavelmente já está sob o domínio de interesses especiais quanto porque as populações mais ricas podem se dar ao luxo de esperar até o próximo ciclo eleitoral para registrar sua insatisfação política nas urnas.

Cada vez mais, contudo, as urnas não estão mais conseguindo agir como válvulas de escape político.

No Chile, o aumento de 3% nas tarifas de metrô imposto por Sebastián Piñera desencadeou protestos em um dos países mais ricos e estáveis da América Latina. 

Os chilenos saíram para protestar contra as pensões baixas e os custos altos de serviços básicos como água e energia, além de medicamentos –alguns chegaram a atear incêndios nas ruas–, mas se enfureceram ainda mais diante da decisão do governo de enviar os militares às ruas, isso em um país com um histórico de ditadura militar. 

Quase um ano atrás, na França, os Coletes Amarelos por pouco não paralisaram Paris. Embora o movimento tenha praticamente sumido, a reforma iminente nas pensões e o efeito de seu primeiro aniversário correm o risco de reacendê-lo. 

Na Espanha, a decisão recente da Suprema Corte de condenar a longas penas de prisão os líderes catalães que encabeçaram o referendo e movimento separatista de 2017 desencadeou protestos maciços, complicando as eleições marcadas para este fim de semana e que já pareciam ter poucas chances de identificar um vencedor claro.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, os protestos em Hong Kong continuam há 22 semanas, atordoando um dos mais importantes centros econômicos do mundo. 

De todos esses protestos, porém, são os de Hong Kong que parecem representar a menor ameaça a seu respectivo governo (indireto) em Pequim, que pode se dar ao luxo de esperar que os manifestantes se cansem. 

E isso nos conduz à pergunta crítica: em nossos tempos de frustração política e insatisfação ampla, a democracia ainda é a melhor forma de governo para o futuro?

A democracia prosperou nas últimas décadas, na medida em que mais pessoas começaram a contribuir para a produtividade econômica de seus países (um dos subprodutos mais importantes da globalização). 

Com isso, ficou mais fácil ganharem voz mais ativa na política. Mas hoje a globalização está recuando e a tecnologia começou a tomar o lugar da mão de obra, algo que vai continuar por anos ainda.

É uma questão que merece ser acompanhada de perto, embora ainda seja cedo para dizer que a democracia já deixou seus melhores dias para trás; a globalização foi muito bem-sucedida demais para que a possamos descartar por completo. 

Mas quando se combinam todos esses problemas estruturais com uma economia global que está perdendo força, torna-se ainda mais difícil para os governos atender às demandas legítimas de suas populações hoje e no futuro. 

Se há uma coisa que une o mundo em 2019, é a raiva com os governos. Isso deve preocupar tanto os governos quanto os povos que levantam suas vozes contra eles.

Tradução de Clara Allain 

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