Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Governo Trump

Plano de paz de Trump visa manter situação atual

Como não precisam mais do Oriente Médio, EUA tomam partido no conflito entre israelenses e palestinos

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Os EUA não precisam mais do Oriente Médio como precisavam no passado. Com o crescimento de sua produção de energia, os EUA começaram a distanciar-se da região (por exemplo do Iraque, Síria, Iêmen, Líbia).

E, sem a necessidade de manter uma paz mais ampla no Oriente Médio pelo bem de seus interesses energéticos, os EUA hoje têm o luxo de escolher quais batalhas querem travar.

Mais recentemente isso vem significando propor um plano de paz entre israelenses e palestinos que é muito mais pró-Israel do que algo promovido por qualquer governo americano anterior.

O presidente Donald Trump, à dir., e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, durante anúncio do plano de paz na Casa Branca, em Washington
O presidente Donald Trump, à dir., e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, durante anúncio do plano de paz na Casa Branca, em Washington - Mandel Ngan - 28.jan.2020/AFP

Não faltam críticos do plano, e isso é compreensível. Se a paz fosse o objetivo imediato da proposta, a equipe de Trump teria discutido com as duas partes, não apenas com Israel.

A decisão da administração de transferir a embaixada americana a Jerusalém desferiu um golpe fatal contra qualquer participação palestina. Mas é justamente esse o ponto: essa proposta não foi apenas um plano de paz.

Em lugar disso, ela visa consagrar a situação real vigente em campo. E, visto sob essa ótica, o plano constitui uma avaliação realista da situação atual (para o grande desgosto dos defensores da criação de um Estado palestino).

Olhando para trás, essa tentativa mais recente de formalizar a situação atual foi possibilitada por dois desenvolvimentos geopolíticos distintos ocorridos ao longo dos últimos 20 anos, ou desde que o presidente Bill Clinton tentou mediar um acordo condicional de paz entre os dois lados.

O primeiro é a contínua ascensão da primazia israelense no Oriente Médio. Os últimos 20 anos foram marcados por muita volatilidade na região, desde guerras até levantes políticos, passando pela deposição de ditadores.

Ao longo de tudo isso, Israel seguiu adiante em sua marcha rumo à hegemonia técnica e militar na região, reforçada por um crescimento econômico invejável.

À medida que Israel se fortaleceu, também saíram fortalecidos os ultranacionalistas para quem a Cisjordânia e a Faixa de Gaza pertencem a colonos judeus que ergueram seus assentamentos estrategicamente de modo a fragmentar qualquer futuro Estado palestino.

Sob o governo do premiê Bibi Netanyahu, esses assentamentos foram autorizados a continuar crescendo, a tal ponto que, se forem legalizados hoje (como propõe o acordo apresentado por Trump), restariam apenas 70% da Cisjordânia para formar um Estado palestino, contra os 94% a 96% oferecidos pela equipe de Bill Clinton.

O segundo fato geopolítico que deixa os EUA em condições de oferecer esse tipo de acordo está relacionado ao primeiro: à medida que Israel foi se consolidando como potência genuína no Oriente Médio, também tornou-se um parceiro muito mais atraente com quem outros países árabes podem querer trabalhar.

Isso é especialmente verdade agora que o Irã, ofendido, começa a reagir e tornar-se uma ameaça crescente para muitos desses países (pense no ataque iraniano contra a instalação petrolífera de Abqaik, na Arábia Saudita).

Vilipendiar Israel já não é politicamente tão convincente quanto no passado, e, em um mundo cheio de ameaças crescentes (muitas das quais no campo cibernético), não faltam líderes árabes que prefeririam cooperar com a liderança israelense do que manifestar-se contra ela.

Para falar mais francamente, a causa palestina já deixou de ser uma causa comum do mundo árabe.

Isso gera uma oportunidade que Israel quer aproveitar, ao mesmo tempo em que apresenta aos palestinos mais uma tragédia em uma longa sucessão delas.

E, enquanto entidades como a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica (OCI) se manifestaram oficialmente contra o plano, a proposta ganhou a adesão de alguns governos árabes, conforme comprovou a presença na Casa Branca dos embaixadores dos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Omã quando foi anunciada.

Críticos de tudo o que vem de Trump se apressaram a desancar o plano, tachando-o de totalmente impraticável. Não é esse seu problema —na realidade, o plano é prático até demais, em vista da realidade em campo.

​E, comparado com outras propostas de política externa apresentadas por Trump que foram carregadas de promessas, mas carentes de substância, a proposta para o Oriente Médio, um texto de 50 páginas, realmente reflete a realidade atual na região. Mas o que ela não fará é levar paz ao Oriente Médio.

Durante anos as pessoas receavam que Washington estivesse envolvida demais nessa parte do mundo e acabariam metendo os pés pelas mãos. Agora estamos ingressando numa era em que os EUA estão menos envolvidos... mas estão ativamente tomando partido de um dos lados.

Apenas o tempo dirá se isso vai aumentar ou reduzir a confusão reinante na região.

Tradução de Clara Allain

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